domingo, 19 de dezembro de 2010

Afinal, o que queremos nós?

Marta – Vocês viram o último episódio de Afinal, o que querem as mulheres?
Vinícius – Vi e quase chorei.
Arlete – Eu vi e não entendi nada. Aliás, como não entendi a série inteira. Ô programinha mais doido!
Vinícius – Tu é que és doida! Um dos melhores programas da televisão brasileira desde sempre. Acho que você não entendeu porque é mulher e ele era voltado para o homem entender a mulher. Bom, pelo menos foi assim que eu interpretei.
Marta – É meio doidinho, sim, mas teve momentos muito bons. Então quer dizer que você achou que foi um manual feminino, Vini?
Vinícius – Não um manual. Mas um cara com uma sensibilidade aguçada querendo entender as mulheres e, de quebra, mostrando várias facetas delas. Eu me identifiquei bastante com o personagem mesmo tendo uma profissão completamente diferente da dele.
Arlete – Identificou em que sentido? Por que conquistou tantas mulheres como ele, eheheheh?
Vinícius – E eu tenho essa sorte... E também, o que adiantou ele ter pego tantas se só queria uma. E é exatamente nisso que eu acho que a série tocou legal. Vocês mulheres são tão complexas que reúnem milhares, talvez até milhões aí dentro. E não estou falando de TPM. As falas do personagem André nesse último episódio foram simplesmente do caralho!
Marta e Arlete – Quais?
Vinícius – Ah, foram várias, mas as melhores vieram nas dois últimos blocos. No penúltimo, quando ele está dançando com Lívia no forró é um dos melhores diálogos. O primeiro é quando André diz a Lívia: “É que você tem um lugar dentro do meu coração que é só seu e que jamais será ocupado por mulher nenhuma.” Ela chega a desacelerar a dança e diz que sente o mesmo. Aí que depois vem o mais foda.
As duas – O quê?
Vinícius – “E tudo que se viveu de verdade não acaba”. É assim que a vida é!
Arlete – Vini, tu tá parecendo drogado com essa conversa. Nunca vi uma série de televisão fazer um efeito como esse em alguém.


Realmente, o rapaz parecia que não ouviu a provocação da amiga e continuou lembrando os textos como se os personagens estivessem ali ao seu lado, soprando no ouvido todas as falas.
Vinícius – Depois eles param e vão conversar. Ela diz que não daria certo como mulher dele porque ele era possessivo, inquisidor e tal. Ele ri e pergunta se ela o ama. Ela diz: “Como eu nunca amei ninguém na minha vida.” Depois ele aparece na praia com a filha. Outro grande diálogo entre homem e mulher, ainda que se trate de um projeto de mulher. Ela pergunta se parece mais com o pai ou com a mãe. Ele diz que com os dois mas que ela parece mais é com ela mesma. Claro que vai ter que explicar: “Você é eu, a mamãe, os amigos que você escolhe e que escolhem você. Cada pessoa é uma mistura de escolhas e desejos” Isso é muito foda, me fez começar a questionar o que sou, o que ando escolhendo ou desejando. Pra mim volta àquela história da lei do retorno. Pra ele, a questão tem que ser o que desejo e não o que sou. As escolhas que fazemos. Aí pergunta porque costumamos ser tão cegos aos nossos próprios desejos? Pra mim é pelo filtro que nossa criação nos impõe, a escola, o trabalho. Acho que deveríamos voltar um pouco aos primeiros anos de nossas vidas e dar vazão aos nossos desejos. Eu mesmo desejo tantas coisas boas mas fica tudo travado aqui dentro. Ao contrário, o que é ruim é quase vomitado. E não tenho medo disso. Por que tenho medo de ser bom, de querer o que é bom? Acho que é de me machucar, de ver que os outros não sabem ver o bom. O último diálogo é com a filha e nunca me bateu tão forte o vazio de não ter uma. Ou um.

Marta (interrompendo) – Pois agora vamos todos lá pra casa pra assistir de novo essa série. Eu não estou lembrando de nada disso que você está falando e tô achando lindo... Vamos, vamos.

E foram.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Estranged

Na falta de algo interessante para dizer, vai o vídeo de uma das melhores canções desde sempre. Estranged do Guns. Poucas vezes vi letra e melodia se encaixarem tão bem, ainda mais num ritmo "barulhento" como o hard rock. vai um link com a letra e tradução também. Sempre achei a letra a minha cara (modéstia à parte).

Depois arrumo algo legal pra dizer.



http://letras.terra.com.br/guns-n-roses/17128/traducao.html

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Oração do morto de cada dia



Eu vou morrer de tédio, de calor, de frio, de tesão, de amor, de ódio, de paixão, de dor de dente, de dor de cabeça e de cotovelo. Eu vou morrer. Eu vou morrer de saudade... de quem veio e já foi. De quem foi sem ter sido notado. De quem sequer veio e talvez nunca venha. De quem veio, voltou e agora dá saudade de quando tinha ido. Eu vou morrer de felicidade, de tristeza. Vou morrer asfixiado pelas minhas próprias lágrimas, pelo meu próprio vício, pelo meu próprio travesseiro. Eu vou morrer cantando, sorrindo, esperneando, praguejando o bom e rezando pelo mau. Eu vou morrer de loucura só para não saber que já morrera há tantos anos sem encontrar um lugar. Eu vou morrer congelado, carbonizado, estrebuchando feito porco no matadouro. Eu vou morrer agarrado a um livro, a uma mulher, às paredes do meu quarto para que meus segredos venham comigo para sabe-se lá onde. Eu vou morrer fedido, cheiroso, ao som de uma ópera-rock, ao som de um samba e de uma marcha fúnebre. Eu vou morrer sem sentir nada, pois tudo que sentia acabou na hora da morte. Eu vou morrer de um pé na bunda, de um “eu te amo”, de um “foda-se”, de um “oxe”, de um “meu filho”, de um “meu pai”, de um “me ama”, de um “me esquece”, de um “a gente não combina”, de um “você errou”, de um “parabéns”. Eu vou morrer de um coice de cavalo, de uma mordida de cobra, de um ferrão de escorpião, de um atropelamento, de um tiro, de um beijo ou de um orgasmo. Eu vou morrer de ler, de escrever, de falar, de contar e recontar. De encontrar, de perder, de jogar fora, de esquecer, de lembrar. De comer, de beber, de cair, de levantar. Eu vou morrer de rir até faltar ar. Eu vou morrer afogado numa banheira, tropeçado numa calçada, escorregado num degrau de escada. Eu vou morrer na cadeia por ter matado o filho de uma mãe e um pai. Eu vou morrer por engano pra que minha mãe chore o choro de outra mãe. Eu vou morrer porque não nasci peixe, mas para que minhas cinzas sejam atiradas ao mar e lá eu fique eternamente. Eu vou morrer porque não fui jogador de futebol, piloto de fórmula 1, estrela do rock ou palhaço de circo. Eu vou morrer porque do filho não se fez-se o pai. Eu vou morrer para plantar uma semente na areia, uma estrela no céu ou um anjo da guarda. Eu vou morrer de gosto e de desgosto, de raiva, de prosa e de poesia.

Eu vou morrer de vida como morremos um pouco todo dia.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Meu copo quebrou novamente

Ele quebrou-se. O meu copo. Como todos os copos, era de estimação. Daqueles que não carregam só água, refrigerante, sucos ou outros líquidos. Carregam nossas almas, nossos corações. Minhas lágrimas. Talvez seja esse último o item mais abundante nos seus 250 mililitros. Não era o primeiro copo, aquele que a gente guarda lá desde a infância, mas era o único. Jamais beberia em outro lugar que não fosse nele. E quando cheguei em casa, até a secretária sabia o que dizer. Pena que para ela era cômico.

- Quebrei seu copo. Sempre o teu, né?
- É – Respondi, sem a mínima vontade de rir. Sempre o meu.


O mais irônico nisso tudo é que nunca, jamais, quebrei um copo que fosse meu. Foi sempre o dos outros. Talvez seja por isso que a dor quando via os cacos era sempre maior, como se tivesse perdido alguém próximo. E não é sempre assim com os copos?

É neles que colocamos nossas bocas. As mesmas que beijam, que contam mentiras, que xingam o juiz no estádio, que cospem no prato que comeu. Que trazem para dentro de casa as bactérias das mucosas que encontramos pela vida afora. Quantos segredos, planos por virem a luz do dia, declarações de amor a serem ditas foram embora naquele “crash” Foi como se tudo isso morresse, se desintegra-se como os vermes farão um dia com nossos corpos. E agora? Será que copos reencarnam ao seu bel prazer? Ou uma cola bem feita faz ele voltar? Não sei as respostas. Os copos são arredios, misteriosos, bi, tri, tetrapolares até. E minha sede continua aqui, esturricando-me a garganta...

sábado, 13 de novembro de 2010

TV com neurônios, que bom!

Queria falar sobre duas coisas boas que vi na televisão. Aliás, três – só computei inicialmente o que vi nessa semana. Mas são três mesmo. As Cariocas, Clandestinos e Afinal, o que querem as mulheres. Foi um prazer misturado com susto, já que as crias são da Globo, emissora que, para mim, sempre faz uma programação chapa branca, seja para entretenimento ou jornalismo. Mas eis que ela ousa. E que ousadia bem-vinda! Começou com As Cariocas. Uma tuia de atriz, dos mais variados perfis encarnam uma personalidade de um bairro da capital fluminense. Histórias sempre com um pé no humor, curtas e bem contadas.

A segunda foi os Clandestinos que só assisti essa semana. E vem novamente o texto ágil, inteligente e cheio de de referências de João e Adriana Falcão. Aliás, dupla que sempre emplaca boas novas na emissora. Pelo que vi imagino que seja um programa de orçamento baixo: poucas locações e muitos figurantes. Mas os atores, todos jovens, captaram bem o espírito meio largado que é justamente o que faz ser tão bom.

Por fim me vem o mais radical de todos no sentido da ousadia: Afinal, o que querem as mulheres? Desde a forma de apresentação do nome da série já se imagina que não vai ser nada de lugar-comum. E não foi. Um Freud, apontado como autor da frase-título aparece em boneco de massa de modelar como guru de um psicólogo às voltas com uma tese de doutorado que tem por fim responder a pergunta já citada.

Imagens meio amareladas, câmera nervosa, texto pesadão e um figurino típico intelecual-bicho-grilo-cabeçoide para rebater. Claro que gravitando em torno de um amor igualmente urgente, meio avoado mas intenso. Pra completar uma trilha sonora que só não chama menos a atenção do que ver Paola Oliveira molhada de chuva, dançando na contraluz e com as mãos sujas de tinta.




sábado, 6 de novembro de 2010

A cara dele



Coisa rara é sentir vergonha de mim mesmo. Mas isso aconteceu semana passada. Lia mais algumas cartas no volume Correspondência, de Rimbaud e transferi-me para a internet a pesquisar se havia alguma novidade, livro ou biografia dele disponível no Brasil. Eis que deparei-me com algo surpreendente: em abril deste ano foi divulgada uma foto em que o poeta aparece em frente a um hotel em Aden com mais seis pessoas.

Como é que eu, o único fã do poeta que conheço, só vim descobrir agora essa relíquia? Claro que antes tarde do que nunca. E algum chato vai sempre indagar o que eu ganharia se tivesse descoberto isso na época em que a notícia foi divulgada? Nada, claro, absolutamente nada. Mas pra quem gosta e ainda tem tão pouca informação é lamentável.

Pois vamos à foto. Ela foi encontrada por dois livreiros há dois anos e somente agora veio a público. Sinal que fizeram um estudo criterioso para atestar a veracidade. Ela foi tirada por volta de 1880, quando Rimbaud tinha 26 anos. Confesso que a primeira coisa que fiz foi procurar semelhanças com a imagem imortalizada por Carjat quando o poeta/explorador/comerciante contava com 17 anos.

O formato das orelhas e do rosto é igual, assim como o dos olhos. Mas e os maiores estudiosos sobre ele endossaram quem sou eu para negar. Matou minha curiosidade e irritação, pois as outras quatro fotos conhecidas do período africano não dão nitidez ao rosto. O melhor é que, segundo um especialista, existe uma foto dele no ano em que morreu, quando provavelmente seu corpo já estava bem debilitado pelo câncer.

Mas essa, quando aparecer, vou estar bem alerta.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Bem-vinda a tecnocracia



Depois de ter falado em eleição mais do que gostaria - e deveria - sinto-me na obrigação de escrever o ponto final, juntamente com o fim do pleito. Nunca tive dúvidas da vitória de Dilma e seu discurso durante a campanha, aliás, como o de Serra, em que votei, foi muito pouco propositivo. Mas eis que no primeiro pronunciamento após o resultado ela vem e me acende uma luz no fim do túnel. Discurso equilibrado entre emoção pelo triunfo e compromisso com o futuro. Foi algo semelhante que escrevi no twitter logo depois de ouví-la.

E nas entrevistas subsequentes ela me mostra a mesma coisa. Pelo menos como presidente(a) eleita e ainda não empossada ela já se sai melhor do que como candidata. Fato que só corroborou minha teoria: depois da ditadura militar teremos um governante técnico. De político, Dilma tem muito pouco, ainda. Como quase tudo na vida há nisso um lado bom e outro ruim. O ruim é que política tem que ser feita 24 horas por dia por um ocupante de cargo executivo, ainda mais por quem ocupa o máximo deste. Isso vale tanto para a política interna quanto a externa.

Se ela não aprender - o que eu duvido - terá que ter bons interlocutores. Vai ser preciso acalmar aliados, que são muitos, e a oposição, com certeza com a faca nos dentes para aproveitar qualquer vacilo.

Quanto ao lado bom de ter um tecnocrata no comando fica o compromisso com metas. E pelo que li sobre a presidente(a) ela gosta de cumprí-los. A meritocracia que ela falou no discurso inicial é outro ponto importante: não dá pra lotear os ministérios com quem não tem o mínimo de dom para a coisa. Imagina soltar um elefante numa loja de cristais.

Ah, e torço muito para dar certo, talvez mais do que quem a escolheu. Ela será a presidente de todos: os que nela votaram, os que não votaram, os brancos, nulos e abstêmios. E como não sou um idiota ignorante não quero que dê errado. O que for ruim pra ela será para nós também.

sábado, 23 de outubro de 2010

Saímos todos perdendo

E lá venho eu novamente falando de eleição. Pudera, nunca antes na história desse País se viu tamanha pobreza num embate eleitoral. E justamente para escolher o chefe da Nação. Por isso me pergunto: “Para onde vamos, vença quem vencer?” Estaremos limitados a aborto, privatizações, bolinhas de papel e rolos de fita crepe? Quem se importa com a infraestrutura, o saneamento básico e o turismo em um país que sediará uma Copa do Mundo em praticamente três anos e meio e uma Olimpíada com mais dois anos?

Será o presidente atual o responsável por tocar tais projetos. No meu ver, tem muita, mas muita coisa atrasada, o que no futuro significará uma coisa, tratando-se de Brasil: obras tocadas a toque de caixa e, sob pretexto de acelerar, sem licitação. Casos que facilitam muito as mentes corruptas. O que tivemos foi pobreza de ideias e a maior prova disso é que a candidata que as apresentou teve uma votação bem superior ao que indicavam as pesquisas.

Ah, e por falar em pesquisas, o que está acontecendo com elas? Cada uma dá um número, seja para mais ou menos. Os indícios de que algo estava errado já aconteceram no primeiro turno e até na boca de urna! Seria muito pedir aos novos deputados que tentassem um projeto de lei para disciplinar e, principalmente, transparecer mais os métodos.

Por fim, o pior. A imprensa. Para mim, a grande derrotada. Ela, já tão esculhambada e odiada agora contribuiu para o rancor. Por que não assumir editorialmente que está do lado de A ou B? Não, é preferível produzir reportagens escondidas sob o falso manto do jornalismo independente mas que no fundo apontam para um ou outro candidato. Nunca senti vergonha da profissão que escolhi. Mas agora não deu.

E depois, como ficaremos diante do público? Os vencedores vão exterminar os vencidos? Espero que não, pois não quero viver o que vi em tantos documentos históricos. Quero oposições com os olhos bem abertos, inclusive para vigiar o candidato que escolhi – José Serra. Não se governa sem ninguém nos calcanhares, e isso se inclui gente que pensa diferente e uma imprensa que pense diferente de todos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Big Brother Chile




Pronto, acabou o resgate dos mineiros do Chile. Pode ser com atraso, ou espírito de porco (isso tenho de sobra), mas ao ver cada um dos 33 homens sair com uma disposição insuspeitada para condição tão inóspita vi que a empreitada teve ares de Big Brother. Só faltou mesmo o bom e velho Pedro Bial. E teve de tudo: um saindo aos berros, entoando grito de guerra, aliás aquele que a torcida do Chile fazia no sonoro 4x0 imposto ao Brasil na Copa América de 1987, outro fez embaixadinha e saiu agarrado com a bola (foi jogador de futebol na juventude), ajoelhados rezando.

E, por último, a história das histórias. Durante o confinamento, a esposa de um deles (Johnny Barrios) descobriu que o companheiro enfeitava-lhe a testa com ornamentos bem menos suaves que flores. Arretou-se, com razão. Avisou que não iria receber o marido e nem acompanharia o resgate pela tv (duvido muito). Para não ficar mal na fita sendo o único com síndrome de cachorro vira-lata, a amante, Susana Valenzuela.

O problema é que o cara achava que a condição claustrofóbica onde se encontrava faria com que todas tivessem peninha dele. Só que juntar a oficial e a parelala nem com 700m de rocha sobre o quengo, meu velho. A corna Marta foi taxativa: “ou ela ou eu”. Não desceu do salto de seu orgulho de fêmea ferida e mostrou que não há buraco onde se esconda um chifre.

Vibrei quando soube da história, pois àquela altura do campeonato, ele foi o 21º resgatado, até os aplausos das pessoas que acompanhavam o resgate já estava ficando meio xoxo. Nem Nelson Rodrigues pensaria em tão curioso desfecho para um triângulo amoroso.

É ou não é BBB? Prova de comida, traições, cartas de família, comida racionada e parentes lacrimejantes na saída. E, para completar, merchandising. Ou ninguém percebeu que os óculos dos 33 mineiros eram da Oakley? Quanto será que ela pagou, hein?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Respeito às escolhas


Não gosto de ficar escrevendo sobre política, até porque não tenho conhecimento profundo sobre o assunto. Mas uma coisa tem me deixado puto porque me senti atingido após a definição do segundo turno para Presidência da República: a revolta de muito eleitor de Dilma com os votos para Marina Silva. A frase que mais vi antes de chegar aos 80% de urnas apuradas era "Votou em Marina e vai levar Serra".

E agora é obrigado a votar em A ou B, mesmo quando existem as opções C, D, E, F e por aí vai? A coisa está sendo colocada como se fosse proposital, tipo "vamos votar em Marina para ter segundo turno". Um pouco menos de arrogância e espírito democrático, minha gente! Votei em Marina porque acredito que seria uma boa para o Brasil. Ao invés de usá-la como bucha de canhão, como estão querendo vender, temos mais é que alimentar uma terceira via para o País. Do contrário ficaremos congelados em apenas dois caminhos.

Eu já havia feito o mesmo há quatro anos quando escolhi Cristovam Buarque. A bandeira da educação que ele carregava era altamente válida - e ainda é. Inclusive, fiquei muito feliz por ele ter sido eleito senador pelo Distrito Federal. Respeitem as pessoas que votaram numa candidata séria e com um compromisso com o meio ambiente que até hoje não vi em outros candidatos para qualquer cargo que fosse.

Ao invés de reclamar de votos para Marina deem uma olhada nas figuras que foram eleitas, como Renan Calheiros, Garotinho, Paulo Maluf e a vergonha das vergonhas: dar um milhão e trezentos mil votos a um protozoário como Tiririca.

E outra. Vamos deixar de patrulhamento ideológico, que o próprio governo do PT - no qual votei - tratou de acabar com isso mantendo a mesma política econômica do anterior. Inclusive mais conservadora que o PSDB quando Antônio Palocci estava à frente do Ministério da Fazenda.

Por último, reforço o orgulho que senti de Pernambuco por colocar Marina em segundo lugar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Meus livros (parte III)

Com os livros restantes, fecho a lista de meus livros preferidos.





Seminário dos Ratos - Lygia Fagundes Telles
A maior contista brasileira de todos os tempos não poderia faltar. E é uma tarefa difícil escolher entre seus melhores volumes de contos. Pela variedade de temas, fico com esse Seminário. São 14 histórias curtas em que Lygia dá um painel do comportamento humano. A maioria das histórias deixa um final indefinido ou nem sempre feliz, o que traduz e muito a nossa realidade. Também temos sexualidade mal resolvida, loucura, vingança do mais fraco contra o mais forte e trechos aparentemente absurdo como formigas construindo o esqueleto de um anão e ratos que tomam para si a responsabilidade de decidir sobre os destinos da nação – o conto-título.


Moby Dick - Herman Melville
Existem várias interpretações para a história de Melville. As que contam a luta do homem contra a natureza ou a loucura em torno de um objetivo ilusório são as mais difundidas. À parte essas questões, Moby Dick é uma tremenda história de aventuras no mar. O capitão Ahab teve uma perna amputada por uma baleia cachalote, aquelas brancas, gigantesca. E planeja sua vingança: matar o animal. Para isso não pensa duas vezes em arriscar a vida de seus marujos a bordo do navio Pequod. Entre eles, está Ismael, marinheiro que vê na pesca de baleias um futuro mais promissor. Como o próprio autor viveu em baleeiros, o livro narra com minúcias os detalhes de uma vida no mar e toda a engrenagem de um navio – principalmente a parte técnica. Em 1956 foi transposto para o cinema, com direito a um show de Gregory Pack na pele do irado Ahab.


O Chamado da Floresta - Jack London
A história se passa durante a corrida do ouro nas regiões do Alasca (EUA), no final do século XIX e início do XX. Um cão chamado Buck, mistura de são bernardo com outra raça menor, é roubado da família com quem vivia e traficado para o Norte, onde animais como ele eram utilizados para puxar trenós. O narrador é o “leitor” da consciência do cachorro. A partir daí, o acompanha em sua jornada, onde será preciso adaptar-se a maus tratos, troca de donos, frio e fome. Além disso, sentimentos como dignidade, companheirismo e lealdade são sempre ressaltados. A jornada de Buck o leva a um encontro com sua natureza primitiva e essa descoberta é narrada com uma beleza rara por Jack London. O livro catapultou o autor à fama mundial. Porém, o espírito perdulário, aventureiro e, principalmente, o alcoolismo não o deixaram gozar o reconhecimento que merecia. Morreu com apenas 40 anos, tempo suficiente para deixar uma obra vasta e fundamental.


Vidas Secas - Graciliano Ramos
A crueza com que Graciliano narra as desventuras de uma família de retirantes do sertão nordestino transporta imediatamente o leitor ao ambiente duro, árido e cruel de quem sofreu com a seca. O sofrimento é tão grande que autor inverte os valores de seus personagens: os humanos – Fabiano, Sinhá Vitória e os dois filhos – são curtos nas palavras e nos gestos, reagem mais do que agem. Os dois meninos sequer têm nome, pois aparecem como Menino mais novo e Menino mais velho. Há uma animalização dos quatro. Ao contrário, a cadela Baleia, parece ser o mais humano de todos, dotado de sentimentos, sonhos e ações mais humanas que os humanos. A descrição de sua morte é um dos momentos mais tocantes da obra, que retratou com concisão de realismo a dura sina dos retirantes do Nordeste.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Meus livros (parte II)




Quando fui Morto em Cuba - Roberto Drummond
Primeiro volume de contos que aparece na minha lista. Aliás, um tipo de texto que tenho uma grande admiração, principalmente quando o contista em questão é Roberto Drummond, mineiro, mais famoso por um romance que virou série na Rede Globo: Hilda Furacão. Seu livro mais conhecido de contos é A Morte de DJ em Paris. Mas para mim, esse Quando fui morto... mostra um melhor uso da linguagem. Os contos ainda ecoam a fase mais politizada do autor, que procura mostrar pedaços da realidade do Brasil nas décadas de 60 e 70 durante o regime militar. Falam de solidão, violência, paixões arrebatadoras e até homenageia um grande craque do passado: o atacante Heleno de Freitas, que brilhou no Botafogo e morreu louco num hospício no interior de Minas Gerais.


Feliz Ano Novo - Rubem Fonseca
Mais um volume de contos de outro mestre nessa narrativa. Fonseca guarda semelhança com Roberto Drummond: a facilidade com que muda a forma de narrar. Sempre em primeira pessoa. A temática do livro quase sempre aborda a violência, como no conto-título e “Passeio Noturno”, em que o protagonista tem por hobby atropelar cidadãos comuns no meio da rua. O livro, lançado em 1975, foi recolhido das livrarias no ano seguinte por “conter matéria contrária à moral aos bons costumes” e liberado apenas em 1989.


Misto Quente - Charles Bukowski
Como quase tudo que o Velho Safado escreveu, trata-se de um texto autobiográfico. Nele, o onipresente em suas obras Henri Chinaski conta sua vida desde a infância pobre num bairro longe do centro glamuroso de Los Angeles e as agruras do que é crescer sem ser rico, bonito, popular e não levar jeito para esportes. Típico “loser”, o garoto sofre nas garras dos colegas de escola nos punhos do pai alcoólatra, em casa, casos hoje que recebem as pomposas alcunhas de bullying e violência doméstica, respectivamente. Mas aqui, a saída não é metralhar coleguinhas nem virar bandido. Chinaski trata a vida com a mesma violenta e crua ironia em passagens que podem assemelhar-se a socos no estômago de um leitor mais desavisado.


Uma Estadia no Inferno - Arthur Rimbaud
Falar da pequena mas fundamental obra do poeta francês e não citar sua vida controversa é impossível. E embora as duas se vejam diametralmente opostas, para mim, uma antecipou a outra e isso fica bem claro em várias passagens de Uma Estadia... Numa prosa poética carregada de imagens, Rimbaud conta suas desventuras na vida com a Virgem Louca, fala de seus antepassados e mostra sua visão de futuro, que pode facilmente assemelhar-se ao dele mesmo. Isso escrito antes de completar duas décadas de vida. Depois, partiu para o verdadeiro inferno: viagens intermináveis nos mais inóspitos desertos africanos para voltar com a pele escurecida e com um câncer avançando velozmente – e que o mataria em novembro de 1891, com apenas 37 anos. O título deste blog foi tirado de uma carta dele.


Pergunte ao Pó - John Fante
Pegue um tema simples como um aspirante a escritor em dificuldades financeiras e uma garçonete e você tem o quê? Aparentemente, uma história entre dois comuns como tantos que habitam o planeta Terra. Mas nas mãos de John Fante isso ganha cores tão belas que nos leva a chamar de arte. Com simplicidade, sacarmos e bom humor, o escritor conta a história de seu alter-ego, Arturo Bandini, às voltas para fazer-se reconhecido pelo dom de escrever e, ao mesmo tempo, seduzir sua musa Camila Lopez. As brigas do casal formam os melhores diálogos deste livro, que despertou em Charles Bukowski a vontade de tornar-se escritor. Virou um filme razoável em 2006, com Colin Farrell e Salma Hayek nos papeis de Bandini e Camila, respectivamente.


O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago
Um amigo disse que sua fé ficou abalada ao ler esse livro. Em mim, ao contrário, reforçou-a por ver que o Cristo de Saramago era um homem humano, já desde o nascimento, quando ele diz que “o filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.” Assim como todos nós, Jesus sofre com a sua missão, tem dúvidas e num dos trechos mais polêmicos vê que Deus e o Diabo são como gêmeos, excetuando as barbas do primeiro. Como era de se esperar, o livro recebeu forte oposição da comunidade católica mas não impediu que o gênio de Saramago fosse reconhecido com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.


Dom Casmurro - Machado de Assis
Tudo bem que Memórias Póstumas de Brás Cubas é o marco inicial do nosso Realismo. É um monumento da literatura brasileira, mas Dom Casmurro, além do talento de contador de histórias de Machado de Assis, também traz em si um dos maiores mistérios das letras: afinal, Capitu traiu ou não Bentinho? O personagem crê nisso piamente, mas o autor nos dá indícios contaminados, já que é o próprio Bentinho quem lembra a história já velho e de mal com a vida, fato que lhe dá o apelido do título da obra. Os olhos de ressaca de Capitu já fazem parte do imaginário popular. Fernando Sabino reescreveu a obra (Amor de Capitu), mas nem assim conseguiu desvendar o mistério que, acredito, nem o próprio Machado saberia responder.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Meus livros (parte I)




Não sou fanático como o personagem Rob Gordon, de Alta Fidelidade, mas não nego, gosto de listas. Duas delas estavam rolando no Facebook há alguns dias e resolvi fazê-las. A primeira, pede para você compilar 15 livros de sua preferência. Confesso que foi difícil reduzir tanto, mas a lista dá um apanhado de muita coisa de minha preferência.
Sem ordem.


O Encontro Marcado - Fernando Sabino.
Embora eu tenha escrito que não estavam em ordem preferência, este livro é, realmente, meu preferido. Conta a história de um aspirante a escritor, reconhecidamente talentoso mas que com o passar dos anos afunda-se mais e mais numa vida burguesa e guarda sua vocação num porão escuro. Quanto mais tenta retomá-la, mais angustiado fica. É a eterna busca de si mesmo, o tal encontro de que fala o título. Foi o único livro que me fez chorar, não só na primeira leitura, mas em cada uma das posteriores, cuja conta já perdi. Muitas partes da história são inspiradas na vida de Fernando Sabino, com a diferença de que este sempre deu vazão ao seu talento de narrador.


On the Road - Jack Kerouac
Escrito em 1951, mas só publicado em 1957, justamente um ano depois a O Encontro Marcado e assim como o texto de Sabino, apontado como o definidor de uma geração. Também mostra a procura da vida verdadeira através de Sal Paradise e Dean Moriarty, que lançam-se de corpo e alma a perambular pelos EUA e ocasionais incursões ao México. A vida, aqui, tem que ser sentida da forma que aparece, com todos excessos, mudanças de rota, sexo e drogas que aparecerem. Narra fatos reais vividos por Jack Kerouac (Sal) e seu amigo Neal Cassady (Dean), além de amigos e amantes. Uma das obras mais famosas de segunda metade do século XX. Vai virar filme pelas mãos do brasileiro Walter Salles, com estreia prevista para 2011.


O Amor nos tempos do cólera - Gabriel Garcia Márquez
Não nego que a fama maior seja de Cem Anos de Solidão, mas, para mim, o realismo fantástico da família Buendía fica um degrau abaixo do amor entre Florentino Ariza e Fermina Daza, que atravessa pouco mais de meio século, onde os amantes pouco se viram e o apaixonado protagonista ainda tem que esperar encerrar o casamento de sua musa com o médico Juvenal Urbino. Aliás, o triângulo amoroso do livro reúne alguns dos pernsonagens mais apaixonados da história da literatura. A morte de Juvenal é um dos momentos mais marcantes do livro, que merecia uma adaptação bem melhor para o cinema do que a cometida por Mike Newell em 2007. O ponto de partida para o escritor foi o início do romance entre seus próprios pais.


O Búfalo da Noite - Guillermo Arriaga
Tensão da primeira à última frase. Arriaga, mais famoso por roteirizar filmes, criou uma narrativa girando em torno de um só tema: a loucura. Há um louco diagnosticado (Gregorio), mas quase todos os personagens têm um pé fora da realidade, seja por violência (Manuel) ou por incompetência de lidar com a confusão de sentimentos (Tania). Esses formam o triângulo amoros, com os dois rapazes, amigos de fé, dividindo o coração da mocinha. Aparentemente, enredo para água com açúcar. Só que o tempero doce aqui foi substituído por arsênico. Gregorio se mata, mas deixa para o ex-amigo Manuel uma série de mensagens cifradas que vão fazê-lo entrar em seu mundo. No meio de tudo está Tania, vítima do amor doido de um e quase terno de outro. Em 2008, o próprio Arriaga fez o roteiro para a versão cinematográfica do livro mas não conseguiu dar aos personagens a mesma densidade.


PS: Como são muitos livros e não gosto de posts muito grandes, a sequência vem depois.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

140 caracteres



O que uma simples palavra de três sílabas não faz... Bastou insinuar que se tuitasse meu post anterior ao invés de deixá-lo lá quietinho no blog me tornaria um babaca, me surpreendo ao ver reações – e eu achava que era quase nada lido... Me acharam certo e errado com a colocação, prova de que como tudo na vida o twitter tem seus fãs e detratores. Por isso, pedi autorização de ambos para publicar as mensagens recebidas por email, obviamente sem citar os nomes. Por isso, deixarei apenas as iniciais.

A primeira msg é de um cara que pegou abuso de twitter. Vou identificá-lo apenas como F.M.

Caro blogueiro,

Foi com alegria que li seu post, o qual encontrei quase sem querer numa pesquisa sobre poesia. A referência foi nome de seu blog, que é uma frase de Rimbaud. Não imaginava que alguém pudesse achar babaquice essa nova febre da internet, que é esse twitter. Pra mim, uma febre altamente nociva, que só aumenta nossa sensação de isolamento e solidão. No local onde trabalho, por exemplo, uma agência de publicidade, pessoas que ficam na mesma sala, com não mais de cinco metros de distância preferem dialogar pelo twitter do que levantarem seus gordos traseiros da cadeira e trocarem meia dúzia de frases. O que é isso? Será que, excetuando eu – e pelo que pude deduzir, agora você – isso tem que ser encarado como normal? Isso sem falar na forma exagerada e desnecessária que vejo de exposição. Tomo a liberdade de compartilhar tais ideias com você porque estava a ponto de explodir, já que não encontrava com quem conversar. E eis-me aqui diante de um completo desconhecido. Pois bem, o que me importa se fulando está indo ou voltando pra casa nesse minuto? Ou que o café da manhã, almoço, jantar, lanche e ceia de todo mundo tenha que vir a público? Ou que comprou um vestido de bolinhas azuis? Não acrescenta absolutamente nada! Se alguém está com sono ou com dor de ouvido, o que vai adiantar postar? Que eu saiba, ainda não existe atendimento médico virtual nem tão pouco red bull via web. Uma coisa que já começa a se disseminar, mas ainda timidamente, são questões de foro muito íntimo como relacionamentos. Já vi gente anunciando pelo twitter que acabou namoro! Pra quê? Anunciar ao mundo que vai à caça ou está desfrutável? É melhor por um anúncio nos classificados.

A única coisa que ainda não vi mas duvido que esteja longe de acontecer é o anúncio de necessidades fisiológicas e coisas que se fazem apenas entre quatro paredes.

Perdão pelo desabafo.


O segundo também é de uma mulher, profissional de uma assessoria de imprensa, que será chamada apenas de M. L. E que errou a grafia do meu nome, mas mantenho o erro para ser fiel ao que foi escrito.

Wladimir,

Por que seria babaca falar sobre o que você escreve no twitter? Ele é um diário como esse mesmo Porque eu é um outro... A diferença é que há menos espaço para seus escritos e a possibilidade de audiência é muito maior. Acho que você deveria pensar de outra forma e até utilizar a rede social para divulgar o que escreve. Não é babaquice escrever sobre tudo no microblog. As pessoas querem saber o que acontece com as outras, seja por espírito bisbilhoteiro ou porque simplesmente uns fazem parte da vida dos outros e as respectivas têm relevante importância. Eu gosto de exaltar meus amigos no twitter, posto fotos de algum lugar legal onde me encontro. É uma maneira de mostrar felicidade ao mundo. Relaxe um pouco e veja as grandes possibilidades do twitter. Tenho certeza que você vai mudar de opinião.

Até mais!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Monologando sobre os diálogos




Escrever se torna um processo muito curioso de auto-conhecimento (não sei se tem hífen). Acabo de descobri que tenho facilidade - eu falei facilidade e não talento - de escrever diálogos. A novelinha que postei alguns dias atrás foi o primeiro indício disso. Não é que não goste de descrições. Mas acho que me faltam as palavras certas, ou colocá-las nos lugares certos para descrever o que quero. E, confesso, gosto de quem morre pela boca. Faço com que as pessoas dos meus textos se descrevam ou ao menos tentem. Gosto de jogo de palavras, da guerra de ideias, elas fluem com tanta naturalidade que chego a sonhar com as conversas. Agora mesmo pus-me a escrever algo novamente e até acho que mandei bem nas explicações. Mas na hora que ponho o povo pra conversar é que fica fácil, fácil.

Vai ver tenho uma vocação inata para mentir!

PS: Poderia ter postado isso em 140 caracteres mas não quis escrever BABACA na testa.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Auto-ajuda de araque




Escrever sobre a vida, minha e dos outros, sempre traz problemas. Mas ultimamente ando me questionando até que ponto vale levar a vida a sério. Às vezes parece que viemos todos com as mesmas obrigações: crescer, desenvolver, constituir família, envelhecer e por fim morrer. Só? Acho pouco, talvez precisássemos de mais recheio, mais... a palavra é inevitável: vida. Engraçado é que todos que não seguem esse roteiro são objeto de olhares enviesados, comentários em voz baixa. Vejo muita gente se preocupando por pouco. Levamos o quê disso tudo? A conta-corrente, a conta de luz, a namorada traíra, o sócio golpista não podem ser tão grandes assim. Confesso que é uma batalha árdua e quase nunca vencida. Mas existem tantas coisas que podemos guardar.

Pra tentar entender se estou ficando doido ou um tabacudo sonhador fui à internet atrás de opiniões. O melhor que vi foi uma frase que já roda mundo há certo tempo: “Pra que levar a vida a sério se você nasceu de uma gozada?”

O problema é o seguinte. Queremos ter o que não precisamos, conquistar quem não nos merece, amar quem quer ser odiado, venerar quem quer ser achincalhado, fornicar com quem prefere a castidade, sorrir com quem prefere chorar. Esta última, então, pra mim é a mais verdadeira.

Nos alimentamos do que é ruim, essa é a verdade. Tão verdade que quando o bom chega, achamos mentiroso, efêmero ou simplesmente que é algo intangível para nós. Merecemos tudo, do bom ao ruim, do sublime ao grotesco. E saímos caminhando depois dessas jornadas é porque fomos maiores. É difícil pra caralho tirar de si algo de mal que nos fizeram. Mas quando ele fica aqui dentro, será jogado em alguém, que por sua vez vai alimentá-lo e depois vai jogá-lo em outro. E hoje o que temos é essa epidemia de gente ranzinza, chata, reclamona e triste. Na qual me incluo mas escrevo isso como uma forma de exorcizá-la.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ficou escuro aqui. E nem fechei os olhos. Não é pela miopia. Nem pelas pupilas dilatadas. É por não mais ter teus olhos. Esses dois grandes, imenos olhos. Que falam, choram, riem, amam, odeiam e gritam. Teus olhos falam tanto que chega a se esqucer que tens boca. Ah, se os meus também fossem assim, falantes. Eu não precisaria gastar as palavras, inventadas com tanto esforço de outros. E eu apenas as desperdiço. Jogo ao léu como quem cospe sementes. E é justamente nas sementes que brota uma nova vida, assim como nas palavras. Talvez não me foi dado o dom de entendê-las. A cada uso é só desconforto, desilusão, desconstrução, desvirtuação. Nunca deslumbramento. E por que insisto em palvrear meu mundo? Mas é só o que me resta, criei meu dialeto particular. É no meu ajuntamento, às vezes pobre, às vezes burro, às vezes feio mas sempre confuso, que procuro o significado. Quero reduzir a palavra até que ela não signfique nada. Que se mude a linguagem, que ela seja através do pensamento e das expressões. Comunicação e expressão, não era assim que aprendíamos no primário? Se ambas andam juntas, esqueçamos as palavras. Guardemo-nas nos mais escuros recônditos de nossos espíritos. Não as deixemos mais sair de casa. Não mais vamos tirá-las dos grilhões. A palavra semeia o mal que existe em nós. Se as deixarmos de lado, nos concentraremos mais no outro, na cara, nos olhos, nas mãos nos pés. Que o corpo aprenda a falar para nos alfabetizarmos de maneira mais livre. Experimentemos o silêncio.

Complicadamente descomplicado (parte VI - final)




W: Oi, Rebeca.
R: Ué, como você sabia que era eu?
W: Intuição, bruxaria, palpite, você escolhe.
R: Tu és muito do esquisito, às vezes. Olha, queria conversar contigo, estás muito ocupado agora?
W: Tô lendo, só. Posso conversar sim. Quer que eu vá na sua casa?
R: Quero, melhor ao vivo.
W: Toda convesa é sempre melhor ao vivo. Daqui a uma meia hora tô chegado.

Com os bairros de ambos não eram tão distantes, ele não demorou muito a chegar. Apenas tomou um banho rápido sem se preocupar em mostrar-se mais ou menos bonito para ela. Só o natural. Nem sapatos calçou. Foi com velha havaianas de guerra. Do outro lado, ela sentiu o mesmo. Como ele já frequenatara sua casa em diversas oportunidades, não o recebia mais com cerimônia. Quando Walter chegou a porta já estava aberta e ela, sentada no sofá. Riram, aquele velho riso amarelo de quem não tem prática em quebrar o gelo de cara. Ele ainda olhou pelos lados. Era a mesma casa dela que entrara e saíra tantas vezes aos primeiros minutos do dia. Ainda tonto de sono, a roupa amarrotada, o gosto azedo na boca. Paredes brancas, móveis simples mas de bom gosto. Nada demais, nada de menos. Tudo em seu devido lugar, nenhum cheiro, nenhum som diferente.

R: Chegou rápido.
W: A essa hora o trânsito tá sempre mais tranquilo.
R: Como você está?
W: Bem, e você?
R: Bem também.
W: Então, qual o motivo do convite?
R: Não imagina?
W: Bom, como nossa última conversa não foi das mais amistosas imagino que seja para colocar os pingos nos is. Tipo uma DR ou lavar a roupa suja, algo do gênero, acertei?
R: Acho que o “algo do gênero é o que se encaixa melhor.
W: Que seja.
R: Não gostei da nossa última conversa...
W: Nem eu. Acho que não precisávamos chegar àquele ponto.
R: Também acho.
W: É que você provocou e eu estourei...
R: Eu provoquei o quê?
W: Minha raiva, o que mais seria?
R: Não estou mais entendendo. A única coisa que eu fiz foi sempre responder o que você perguntou com a maior sinceridade que me foi possível.
W: Sinceridade que pode ter uma medida melhor.
R: Então você prefere meias-verdades?
W: Claro que não. Não é o conteúdo, é a forma. Você nunca precisa vir falando algo que gosta de rola, que teve isso e aquilo com fulano e beltrano. A maneira que faz é jogando na minha cara como se eu tivesse alguma culpa nisso. Como se você fizesse isso porque eu não fiz ou não quis algo. E não quero levar a culpa sobre algo que não tenho e provavelmente nunca terei controle.
R: Quem provocou primeiro foi você, com suas colocações irônicas sobre a minha vida. Parece que ela é um prato cheio pra você. Qualquer colocação que eu faça, principalmente se for sobre homens, você sempre vem zombando, ironizando ou tentando diminuir o que eu faço ou o que aconteceu. Como se não tivesse importância, entende?
W: Olha, de tudo isso que você falou aí, só concordo com o “se não tivesse importância”. Pode ter certeza que o que você faz ou deixa de fazer não me altera em nada.
R: Rárárá. É piada, né? Altera, sim, meu filho, e muito. Sabe por que? Porque fere seu orgulho de macho. Você tenta dar uma de avançadinho, de descolado, mas no fundo é machista e preconceituoso. Aliás, como a maioria da sua raça. Quer todas as mulheres aos seus pés, fazendo sempre suas vontades. Quando as mulheres insistem em dizer que vocês homens nunca viram adultos é disso que falamos. Todos vocês têm complexo de Édipo exacerbado.
W: Inversão de valores.
R: Hã?
W: Isso que você está fazendo é inversão de valores. Tudo que você acusou a mim, e à raça masculina é você quem faz. E esse seu ar provocador, o jeito de dançar, o sorriso fácil e o jeito de mexer o cabelo são o que, por acaso?
R: Meu jeito, ora essa!
W: Não. Você calcula tudo. Você faz tudo friamente para chamar a atenção. Você tem namorados, amantes, peguetes, o nome que você queira dar a esses caras, por esporte, por brincadeira. Até sua maneira de dispensar algum, e eu já vi, é tão discreta que sempre o cara volta. Você dá sempre uma esperança de que pode. É um fora olhando de lado. Uma sensação de manipulação. Você gosta de manipular, talvez seja uma forma de mostar onipotência.
R: Você tá é doido. Nunca fiz isso. E se dou fora de uma forma mais contida é porque sou educada. Não precisa sair dando coice em ninguém.
W: Precisa sim, sabe por quê? O ser humano é burro. Os desejos que nos movem são completamente burros. Só entendemos a linguagem da porrada, até a Bíblia, que se diz a palavra de Deus já mostrou isso. Quando Ele disse a Adão e Eva que não deveriam comer o fruto da árvore proibida, o que aconteceu? Ela foi lá e comeu do mesmo jeito e ainda ofereceu a ele, que mesmo tendo consciência do erro da mulher, foi lá e fez a besteira. Ali começava a história de dominação, de manipulação das mulhres sobre os homens até culminar aqui, agora, neste apartamento. O tempo passou mas o recado de Eva continua aí, no DNA de vocês mulheres.
R: Essa teoria toda só pra provar que eu sou manipuladora?
W: Sim, você não percebe, não faz deliberadamente. Está tudo aí dentro já formado. Se fosse um crime, seria culposo. Tenho certeza que você não faz com intenção. Acredito que seja hormonal.
R: Hormonal uma ova. Quem quer inverter os valores é você. Quer que eu seja seu capacho e não sou. Eu não me dobro às suas vontades e você agora tenta fazer isso me diminuindo.
W: Não quero nem nunca quis que você se dobrasse às minhas vontades. Admiro e sempre admirei seu espírito independente, inclusive já lhe disse isso em outras oportunidades. Você só não precisa jogar comigo. Somos grandinhos demais pra isso, não acha?
R: Acho, mas e você não joga, não?
W: Como eu jogo?
R: Você chega a passar semanas sem me ver e volta do nada querendo que eu te dê atenção e outras coisinhas mais...
W: E você por acaso me procura? Se eu me afasto e você concorda é porque está querendo umas férias de mim, ver outras coisas, outras pessoas.
R: E você não faz o mesmo não?
W: Às vezes sim, às vezes não. Não sigo regras. Minha relação com você não tem isso de: 'Agora ela me deu um tempo vou fazer isso e aquilo'. Nada a ver. Na boa, as coisas são tão simples e nós é que ficamos complicando.

O mais estranho em toda aquela conversa é que as vozes eram brandas diante de tantas acusações iniciais. Os dois conversavam como velhos amigos ou até namorados trocando ideias numa noite agradável de fim de inverno. Intimamente, sentiam-se mais leves. Já sentavam lado a lado no sofá, as pernas quase se tocando. Mas não havia desejo, eletricidade, apenas cumplicidade, algo que sempre houvera mas em algum momento escoara pelos beijos, pela falta de ar dos desejos saciados.

R: Eu não me sinto complicando nada. Você é que complica...

Ele adotou um tom paternal.

W: Tá vendo? Você quer sempre ter a razão, ser a dona da última palavra. Não ter a última palavra não é sinal de fraqueza, quando você vai entender? Aliás, numa relação de dois, o melhor é que a última palavra seja dos dois. A velha negociação ganha-ganha.

Ela não escondeu um ar de riso diante da observação do companheiro e identificou na hora o tom aconselhador.

R: É talvez eu seja um pouco durona mesmo.
W: É bom que seja. Mas endurecer sem perder a ternura, como diria o velho e bom Che.
R: E agora, o que é que a gente faz? - perguntou, rindo.
W: Aí você tá querendo demais, não sou tão inteligente assim. A mulher aqui é você!



PS: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte V)




O tempo passou e ninguém falava com ninguém. Nem recados em orkut, facebook ou emails. Viam-se aparecer no msn, mas nada. Cada um ao seu estilo, matutava em cima daquele gelo. O curioso é que o mesmo pensamento torto corroía a cabeça das duas criaturas. “Acabou. Mas acabou o quê?”, pensavam. Não era namoro, casamento, rolo, muito menos caso, já que ambos não eram comprometidos. Esse não sei o quê é que parecia deixar tudo mais nebuloso. Lá no fundo, tinham vontade de se falar, não que o desejo já voltasse a bafejá-los. Era apenas a vontade de ouvir a voz, trocar ideias, algo tão maior e bem melhor que sempre tiveram e agora deixavam ruir.

Rebeca ruminava ao seu estilo enfezado, cáustico, sem papas na língua, embora falasse para todos menos ele, o único que merecia ouvir. “Filho da puta, imbecil. Sempre se faz de inocente e vítima. E o que é pior: eu termino sempre embarcando na onda e me fudendo. Sempre cedo e ele sempre faz as mesmas coisas. O que deveria ter feito é cortado o mal pela raiz, mas não, sempre acho que todo mundo vai mudar, acredito nas boas intenções e quebro a cara sempre, sempre. E por que tudo tem que ser sempre tão escorregadio? Custa alguma coisa ser sincero? Será que vai arrancar pedaço? O pior é que todo mundo me avisa quando entro nessas roubadas, de olhar pra homem inteligente e esquecer do resto. Tem que estar sempre testando, sempre levando ao limite. Ou simplesmente usar, descascar como qualquer fruta que se pega em feira, chupar tudo e deixar o bagaço pra outra idiota. Mas eu não consigo, não sai, sou amarrada em meu próprio novelo, não deixo que ninguém pegue a ponta e faça a própria teia. Será pudor, uma ética burra? Não sei de onde vem. Já sei! Vou ligar pra gente conversar de uma vez por todas e seja o que tiver de ser. Tenho que falar, desse jeito vou explodir. Até falta de ar já começo a sentir. Quando ele atender, vou dizer o quê: 'Olha, vem aqui em casa que a gente precisa conversar sobre nós'. Pronto, aí ele vai dizer: 'Nós o quê?' Aí eu digo que é nossa, nossa... Porra, nosso negócio, troço, pois nem nome isso tem! Bem capaz de dizer que não existe nós, esse merdinha. Ou melhor, nós, sim: eu, ele e outra dúzia. Queria tanto saber com quem ele anda só pra entregar tudo que ele faz comigo. Mas e se ele fizer o mesmo com as outras? E o pior, se elas gostarem... Fico como a maluca inocentinha que corre atrás dele e faz contar vantagem para os amigos, inclusive essas amigas. Ele não deve respeitar ninguém mesmo. E quando conheci parecia tão tímido, tão na dele que chamava mais atenção que os exibidos. Se brincar, sempre soube tudo isso calculadamente e fez de propósito. Agora, com quantas não deve repetir a mesma tática? É, esse tipinho não adianta fazer fofoca, é até pior porque homem gosta de ser falado, gosta de achar que toda mulher vai correr atrás dele. E quem fala só aumenta a auto-propaganda. Ele vai dizer: 'Tá vendo: não tive nada com ela e já fica desse jeito' Quem ouve, além de me chamar de doida vai pensar que ele tem mel no pinto. Acho que só pode ser frustração. Teve algum problema de infância como pai ausente ou mãe superprotetora ou foi criado por vó. Tinha tudo o que queria na mão e não dava valor, quebrava de propósito pra ver o que tinha dentro. Na idade adulta muda só brinquedo, é de carne e osso, fala, pensa, chora, ri e abre as pernas pra ele ver o que tem dentro. Depois que viu, desmontou e botou as peças jogadas no fundo de um baú sai chorando atrás de um novo, com peças diferentes. Uma hora vai ver que não tem brinquedo nenhum, apenas um quebra-cabeças: um sentimento ali, uma gozada aqui, uma chupada e mais nada que guarde, que conquiste pra sempre e que nunca lhe vá ser tirado. Acho que é por isso que dizem da imaturidade do homem. No fundo, no fundo eles passam a vida inteira brincando mesmo. Uns brincam com carros, outros de banco imobliário, comprando e vendendo e outros com as pessoas, principalmente mulheres. Ah, que se foda, vou ligar e é isso mesmo que ele vai ouvir”.

Do outro lado da cidade, imerso em suas próprias teorias estava Walter. Trancado em seu próprio refúgio. Deitado, com a luz do quarto acesa, olhava para o teto como se por um milagre fosse aparecer um manual que lhe daria a chave para resolver o problema. Não se sentia culpado. Na sua cabeça era algo que já experimentara, apenas uma briga banal que mais cedo ou mais tarde se resolveria ao primeiro olá que trocassem. Porém, seu perfeccionismo era mais forte. Não se sentia cem por cento à vontade quando algo se mostrava pendente, fosse algo guardado num lugar que não lhe era destinado ou a falta de uma palavra para chegar ao ponto final de uma questão. Queria falar para resolver tudo. “Mas que problema? Será que existe problema? Por que perco tanto tempo pensando nisso? Ah, não sou o único. Ela reclama que não falo como se fosse um poço de transparência. Eu sei lá com quem anda? E nunca, nunca fiz questão de saber. Ela deixa tudo sempre nas entrelinhas pra que eu fique imaginando. Essa tática de mulher é mais velha que a roda. Ela tenta com isso me segurar, me manter por perto e forçar encontros como se eu precisasse vê-la frequentemente para me sentir revigorado. Quando na verdade, quem precisa disso é ela, que mesmo com tanto macho atrás insiste em mim. Pois se quiser vai ter que ser sempre asssim. A merda é que sempre perco o controle quando chego perto. É um cheiro, um olhar, o sorriso, sempre me derrubam. Ela sempre joga as coisas no sexo como se sexo fosse uma equação universal que se apresentasse eficaz pra qualquer tipo de problema. É porra nenhuma. Às vezes atrapalha bem mais do que ajuda. Mas sempre vem tudo misturado. É intenso mas não é amor. É intenso mas não é sexo. Será que por exclusão já não é tão intenso assim? O que quero dela? Não sei. Não sei nem se é de uma companheira que preciso. Sinto falta de alguma coisa, não sei o que é e ninguém preenche. Não é dinheiro, não é poder. Talvez seja eu mesmo. Será que tô me buscando nessas mulheres? Mas por que só com uma é tão complexo se as outras são do mesmo nível intelectural, social e tudo mais. Talvez ela busque outras coisas mas não fala! E depois reclama de mim. Eu sou sempre o réu, tá bom dela olhar um pouquinho pro próprio umbigo. Acho que é isso que ela tá precisando. É, a típica mulher complexa caricaturada em tudo quanto é blog machista. Acho engraçado na hora de ler mas agora tô vendo que é bem diferente de lidar. Ela se acha a inteligente, a dona da verdade, a que estuda profundamente os sentimentos alheios. Pode até entender dos outros, mas de si mesma tá bem longe. E vai ser isso mesmo que eu vou falar na próxima vez, seja por msn, email ou telefone”

O telefone tocou.

sábado, 11 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte IV)




ROBERTO E REBECA

Os dias seguiram-se sem que nenhuma das duas partes desse o braço – nesse caso o mais correto seria o mouse – a torcer, embora um sempre soubesse da presença do outro. Não se bloquearam, uma prova de que os acordos sem palavras continuavam valendo. Ou seria o profundo respeito que nunca afirmavam sentir-se mutuamente mas sempre externavam na presença de terceiros em comum?

Ela terminou sim, indo à festa do tal Beto. Era amigo dela, que ele conhecia vagamente, muito mais pelas histórias contadas e agora sabe-se engolidas por ele com dificuldade. Na verdade, era um bom homem, o Beto, na verdade Roberto. Trabalhador, dedicado mas um tanto complicado na vida privada, fruto de um casamento terminado sob acusação de traição de parte a parte e tendo como complicador duas crianças cuidadosamente não poupadas em saber de tudo. Depois de três anos, caiu numa depressão enlutada, pois pouco os via e sempre se culpava pela perda. Mas era aquela tristeza que atrai mulheres um pouco menos severas, suficientemente inteligentes para discernir um pusilânime de um realmente sofrido. Trazia consigo um ar carente. Em suma, um prato cheio para Rebeca, mulher dura nas palavras mas de uma suavidade nas ideias atitudes que envergonhariam a mais bondosa das noviças.

Realmente, eles se aproximaram. Um, em busca da segurança que a outra passava. Outra, num homem que, na cabeça dela era raro, pois sensível aos anseios femininos. De início não houve nenhuma segunda intenção, apenas uma troca de experiências entre duas pessoas, que, embora jovens – iniciando a casa dos 30 anos – já mostravam cicatrizes da vida. Mas é aquela velha história: quanto mais você entra na vida da pessoa, mais ela vai te deixar entrar. E se a história for boa, sempre quer repetir o filme. Das trocas de experiências vieram as confidências, as confissões dos pecados, os ódios derramados pelos traíras ouvidos em silenciosas concordâncias. Mesmo quando uma atacava a máxima masculina de regar quantos hectares fossem possíveis com esperma e o outro reclamasse da modernidade que masculinava as mulheres e as deixava caçadoras demais para seu gosto romântico.

Se tais afirmações eram verdade, pouco importa. O que vale não é o que se diz e sim como se ouve. E os quatro ouvidos acreditavam no que lhes era colocado, sempre concordando e amplificando a voz do interlocutor, ainda que atacasse a própria raça. O resultado era óbvio. Renata estava diante de um homem que nunca vira. Ou melhor, já vira, mas que sempre passava por metamorfose com o avanço de dias, meses ou anos. Aquele, não. Ele ERA diferente, pois tinha uma postura semelhante à dela diante da vida e não o fazia com a intenção de arrastá para a cama. As conversas sucediam-se com assuntos inesgotáveis. E mesmo quando não estavam em companhia um do outro, seus nomes, ideias ou opiniões eram sempre compartilhadas com amigos ou parentes.

Rebeca: Olha, Carla, sem querer azedar tua história, não sei se esse cara tá te falando a verdade não, viu?
Luana: Por que?
Rebeca: Vocês se conhecem há muito pouco tempo e ele já fala de futuro, que você seria uma boa companheira simplesmente porque viu uma coincidência entre os dois? Tudo bem que não acho nada de mal em ser fã de Quentin Tarantino, coisa que até eu sou. Mas daí a visualizar uma vida a dois por causa disso é meio demais, né não?
Luana: É que ele discute Tarantino com uma paixão que nunca vi. Ele simplesmente fala TUDO que eu acho. Parece até que lê a minha mente!
R: Sei, sei. Mas vamos levar a teoria à prática. Suponhamos que vocês, lindos e apaixonados vão lá juntar os trapinhos e dividir o mesmo teto. Por acaso vão passar a vida inteira assistindo Tarantino?
L: Claro que não, né!
R: Pois então. Até concordo que a vida dá um belo filme, ou triste, ou cômico, dependendo de quem é a vida. Mas existem muitas outras coisas. Experimenta mudar de assunto. Falar de trabalho, por exemplo. De família! Isso, família é um ótimo assunto para você descobrir quem ele é. Presta atenção do que ele fala sobre os pais, avós, irmãos. Tenta levantar como é a relação dele com essas pessoas.
L: Você tá querendo que eu faça um interrogatório com o cara, é? Vou sentar ele numa cadeira, acender uma luz em cima da cabeça dele num quarto escuro e metralhar um monte de pergunta?
R: Não criatura, faz de um jeito sutil. Não é possível que você não consiga direcionar uma conversa. Usa algo que você viu num filme de Tarantino. A história da filha de Beatrixx Kido, por exemplo.
L: você faz isso?
R: Olha, converso muito sobre família e relacionamentos com Beto. Ele nunca se negou a falar disso ou daquilo. E olha que a história dele é bem complicadinha. Você sabe, já te falei.
L: Olhaí! A história dele é complicadinha e o nome dele é mel na tua boca...
R: Porque não é a história que importa, pelo menos muitas vezes. É a postura das pessoas diante da situação. Tem certas coisas na vida que você não tem controle, e olhe que são muitas. Como vai reagir a elas é o que conta. E existem milhares de maneiras de se reagir, você sabe. Beto, por exemplo, sofreu muito durante o casamento, mas passou por tudo de maneira digna. Eles eram muito jovens e a menina engravidou. Imagine que ela não queria casar e foi ele quem convenceu. Ele disse que era a única coisa que um homem digno faria. Ela se convenceu, ainda tiveram outro filho. Ele praticamente sustentava a casa sozinho e nunca reclamou porque ela teve que parar de estudar por causa das crianças. Depois começou a jogar na cara dele que foi por causa disso que ela não evoluiu na vida, que ele a sufocava, quando sempre fez questão que ela tivesse a vida de uma mulher normal.
L: Essa história não tá meio mal contada não?
R: Foi a mesma coisa que questionei a ele. Você sabe que não tenho pudor em perguntar certas coisas quando me dão um pouco de intimidade. Eles foram à faculdade onde ela estudou para reabrir a matrícula. Na última hora ela desistiu. Ele ainda tentou insistir, dizendo que dariam um jeito com as crianças. Teve que ouvir de volta: “Na última vez que você me convenceu, larguei tudo para ficar contigo” Né foda?
L: É, mas tu estás mesmo por dentro de toda intimidade desse cara, hein? Tô começando a achar que esse rolinho meio sem compromisso, como você tá dizendo, vai terminar virando uma coisa mais séria...
R: E eu lá tenho mais paciência pra homem? Ainda mais esses sequelados. Ele tem uma namorada que vai e volta toda vez que a lua muda de fase. Não sabe se gosta dela, se gosta de mim ou se no fim das contas não gosta é dele mesmo, o que eu acho mais certo.
L: Se não tem paciência pra homem daqui a pouco vai ser melhor você começar a experimentar mulher, ehehehehehe.
R: Olha, queria eu ter inclinação pra coisa, viu. Mas acho que ser sapatão é uma questão de dom, e esse eu não tenho. Já levei cantada de uma mulher uma vez e fiquei horrorizada. Só de imaginar... Argh. Revira até o estômago.
L: Mas se você falar desse jeito com alguém que não te conheça bem vai passar por lésbica, viu? É bom tomar cuidado...
R: Tô nem aí.
L: E o teu velho-novo-caso, como vai?
R: Quem, Walter?
L: E quem mais poderia ser?
R: Só de lembrar, começo a espumar. Tive uma discussão horrível com ele há dois dias. A coisa foi pesada, com direito a muito xingamento.
L: Os vizinhos ouviram os gritos de vocês?
R: Que gritos que nada. O quebra pau foi pela internet, no MSN. Ele veio dar uma vítima, com ciúme porque eu dispensei uma saída com ele. Falei da peça que a gente foi, Pão com Mortadela. É baseada num livro que ele adora. Eu disse que tinha gostado muito e iria novamente no fim do ano se ela voltasse pra cá. Ele aproveitou que havia outra apresentação ontem e me chamou. Eu disse que não iria porque era aniversário do Beto. Aí ele começou ironizando, dizendo que eu e o Beto tínhamos uma vibe legal ou algo assim. Fui desconfiando e cutucando mais ele, até que se soltou e mostrou o que todo homem é de verdade: possessivo e filho da puta.
L: Danou-se!
R: Ele mostrou como me vê. Disse que eu dou pra todo mundo, que falo dos caras que vivem atrás de mim pra provocar ele, que quero manipulá-lo. Só não me chamou de puta com todas as letras, mas o resto...
L: E você?
R: Quanto mais ele falava, mais eu dava corda. Disse que tinha dado pro Beto, tinha sido bom e que ele agia pior do que eu porque some, passa um tempão sem dar notícias, com certeza comendo a torcida do Flamengo inteira e depois me procura com a cara mais deslavada do mundo. Fico muito puta com isso!
L: Poxa, foi feio, hein. Vocês se conhecem há tanto tempo e nunca tinham brigado.
R: A gente tinha uns desentendimentos por conta de posturas diante da vida, gostos distintos, mas tudo dentro de um respeito. Eram conflitos de ideias não de um acusar o outro disso ou daquilo.
L: Mas deve ter valido a pena porque a festa do Beto foi boa?
R: Que festa? Não teve festa nenhuma. Falei de propósito porque já estava desconfiada dele. Sempre com uma perguntinha inocente aqui, outra ali. Ele quer saber de tudo que acontece comigo e ao mesmo tempo não solta nada. É mais trancado que xoxota de freira. Cutuquei e o bicho soltou de primeira.
L: Prima, quando eu crescer quero ser igual a tu!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte III)




Quem perdeu as estribeiras agora foi o rapaz. E quando o fazia, usava dos piores advjetivos de seu repertório. O pudor que tinha em falar certas coisas – até mesmo os mais comuns palavrões – sumiam como que por mágica.

W: Pois foi sempre o que eu quis saber, mesmo. E sempre desconfiei. Afinal, você dá pra todo mundo mesmo. Não pode ver uma rola que já sai correndo pra pular em cima!

Ela, que de papas na língua não tinha nada, saiu atacando na mesma moeda, com o mesmo palavreado. Baixo, diga-se de passagem.

R: Gosto de rola, sim, e daí? Você não é meu cinto de castidade, tão pouco namorado, marido, irmão, pai ou a puta que pariu! Quando é pra me comer você não vem com esse papo. Agora fica dando piti de ciúme. E logo quem, que anda com tudo quanto é rapariga nesse meio de mundo e eu nunca falei nada.
W: Quem disse isso a você?
R: Tá achando que eu sou burra, é? Bem não sei porque você some, passa semanas, às vezes até mês sem me procurar e aparece sempre do nada. E sempre pra tirar uma casquinha. Você me faz é de depósito de esperma, seu filho da puta!
W: Ué, sempre foi assim porque achei que era assim que você queria. Nunca lhe vi reclamando, de cara feia ou me evitando. Pelo contrário, sempre gozou gostoso. Nunca pôs dificuldade nenhuma.

Ironia pouca é bobagem.

R: Ah, então é isso. Você me acha uma puta. Sou uma mulher-delivery: ligou, comeu!
W: Porra, você gosta mesmo de exagerar. Passo dias e dias conversando com você pela net, trocamos altos papos a respeito de tudo, inclusive seus dois mil, quinhentos e cinquenta fãs. Tenho que escutar tudo calado e agora tu me vem com essa de delivery? E tem mais, mocinha, toda conversa sua tem sempre um macho te assediando. Isso quando não consuma o assédio na cama!
R: O que é que eu posso fazer se esses porras vivem atrás de mim. E, além do mais, desde que você me conheceu que é assim. Não sabia que isso te incomodava.
W: Nunca incomodou.
R: E agora cismou de incomodar por quê?
W: Não tá incomodando, só estou falando...
R: Tá incomodando, sim, sabe por quê? Porque eu não estou mais à sua disposição. Não vou correndo te encontrar a hora que você quiser. Quer delivery? Liga pra uma pizzaria, que é mais fácil te atenderem. Aqui, vai ser na hora que eu bem entender.
W: E quem é você pra achar que vou estar à sua disposição? Não sou seu empregado e você não manda em mim!
R: Pronto, agora parece uma criança falando.
W: E se parecer é problema meu. Falo o que eu quiser. Fico puto quando alguém vem querer me manipular.
R: Longe de mim querer te manipular, meu filho. Estou dizendo que a partir de agora, se quiser me comer vai ter que entrar na linha.
W: Na linha ou na fila? Pelo que você fala deve ter uma fila maior do que em dia de pagamento de benefício do INSS...
R: Taí, não tem mas eu queria que tivesse. Faria questão de dar a você a última senha.
W: E quem disse que eu ia querer comer o resto dos outros.
R: Resto é a puta que lhe pariu! E você também é uma bela merda de resto. Sei com quem você anda, embora nunca fale. E quem não fala sempre tem muito a esconder.
W: Olha, eu tô achando que essa conversa não vai levar é a nada.
R: Agora vai correr porque sabe que eu tô certa...
W: E alguém consegue te convencer que você errou? Essa sua mania que querer palpitar em tudo é uma prova disso: é sempre você quem tem razão e quem vai ficar com a última palavra.
R: Porque estou certa.
W: Então fique com sua certeza, tchau.