segunda-feira, 5 de julho de 2010

O velho e o pássaro

Até que estava com vontade de escrever algo bonitinho ou interessante. Ou ambos, ou nenhum dos dois. Acontece que minhas mãos vêm sendo castigadas nos últimos dois meses e é melhor apelar para outros que tinham as mãos mais talentosas que as minhas para não deixar o blog parado. Recorro ao onipresente velho safado, Buk, em mais um lindo texto:

PS: o título do post é meu. Não sei o título do poema.

"há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?"

Charles Bukowski

sábado, 3 de julho de 2010

Diálogo


- Por que você não ligou?
- Esqueci.
- Depois de tudo que a gente conversou quando você ainda estava no trânsito?
- É, esqueci, acontece.
- Mas que merda!
- Lá vem você com ignorância!
- Ignorância é o caralho! Você sempre faz isso, pra mim é um claro sinal de que não ta nem aí...
- Que exagero. Esqueci porque sou assim mesmo. Tenho cabeça de vento.
- Tem cabeça de vento para o que não lhe interessa. Se fosse algo relacionado a ganhar ou deixar de ganhar dinheiro duvido que esquecesse.
- Eu não sou assim não!
- Tem razão, é pior.
- Ah, que saco...
- Que saco digo eu que aguento essas suas faltas de respeito há um ano.
- E isso é falta de respeito desde quando?
- Desde quando se deve consideração às pessoas, principalmente àquelas que se gosta. No seu caso, àquelas a quem fazemos acreditar que gostamos.
- Você faz drama pra tudo.
- Não, não faço drama. Só constato a realidade. E a realidade diz que nunca você faz muda algo por mim.
- Quem disse isso?
- Ninguém precisa dizer. Eu vejo. Você deixa de regar seu maldito jardim um dia que seja para passar o dia comigo? Abre mão da viagem que sequer tinha dinheiro para pagar e precisou do esforço sobre-humano de sua tia para pagar e satisfazer seus caprichos?
- Foi uma oportunidade que surgiu, era uma viagem bonita e não iria desperdiçar. Quem faria isso?
- Pois EU faria. Mas tô vendo que sou uma rapariga mesmo. O que eu devia era cagar na sua cabeça sempre, talvez assim você me respeitasse mais.
- Respeito pela força não funciona.
- Errou feio. Funciona sim, e muito. Não importa o nível de inteligência do outro: gente feito você só funciona na porrada.
- Pronto, agora vai querer me bater...
- E ainda por cina não entende metáforas. A porrada que eu falo é psicológica.
- Continuo achando drama seu.
- Esse seu ar de nem aí é o que mais me irrita.
- E o seu exagero merece o quê?
- Não é exagero e eu mereço respeito que você não me dá, porra!
- Não grite.
- Grito o quanto eu quiser, caralho! Vai tomar no cu!!
- Tchau.

O telefone desligou.