segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Meus livros (parte III)

Com os livros restantes, fecho a lista de meus livros preferidos.





Seminário dos Ratos - Lygia Fagundes Telles
A maior contista brasileira de todos os tempos não poderia faltar. E é uma tarefa difícil escolher entre seus melhores volumes de contos. Pela variedade de temas, fico com esse Seminário. São 14 histórias curtas em que Lygia dá um painel do comportamento humano. A maioria das histórias deixa um final indefinido ou nem sempre feliz, o que traduz e muito a nossa realidade. Também temos sexualidade mal resolvida, loucura, vingança do mais fraco contra o mais forte e trechos aparentemente absurdo como formigas construindo o esqueleto de um anão e ratos que tomam para si a responsabilidade de decidir sobre os destinos da nação – o conto-título.


Moby Dick - Herman Melville
Existem várias interpretações para a história de Melville. As que contam a luta do homem contra a natureza ou a loucura em torno de um objetivo ilusório são as mais difundidas. À parte essas questões, Moby Dick é uma tremenda história de aventuras no mar. O capitão Ahab teve uma perna amputada por uma baleia cachalote, aquelas brancas, gigantesca. E planeja sua vingança: matar o animal. Para isso não pensa duas vezes em arriscar a vida de seus marujos a bordo do navio Pequod. Entre eles, está Ismael, marinheiro que vê na pesca de baleias um futuro mais promissor. Como o próprio autor viveu em baleeiros, o livro narra com minúcias os detalhes de uma vida no mar e toda a engrenagem de um navio – principalmente a parte técnica. Em 1956 foi transposto para o cinema, com direito a um show de Gregory Pack na pele do irado Ahab.


O Chamado da Floresta - Jack London
A história se passa durante a corrida do ouro nas regiões do Alasca (EUA), no final do século XIX e início do XX. Um cão chamado Buck, mistura de são bernardo com outra raça menor, é roubado da família com quem vivia e traficado para o Norte, onde animais como ele eram utilizados para puxar trenós. O narrador é o “leitor” da consciência do cachorro. A partir daí, o acompanha em sua jornada, onde será preciso adaptar-se a maus tratos, troca de donos, frio e fome. Além disso, sentimentos como dignidade, companheirismo e lealdade são sempre ressaltados. A jornada de Buck o leva a um encontro com sua natureza primitiva e essa descoberta é narrada com uma beleza rara por Jack London. O livro catapultou o autor à fama mundial. Porém, o espírito perdulário, aventureiro e, principalmente, o alcoolismo não o deixaram gozar o reconhecimento que merecia. Morreu com apenas 40 anos, tempo suficiente para deixar uma obra vasta e fundamental.


Vidas Secas - Graciliano Ramos
A crueza com que Graciliano narra as desventuras de uma família de retirantes do sertão nordestino transporta imediatamente o leitor ao ambiente duro, árido e cruel de quem sofreu com a seca. O sofrimento é tão grande que autor inverte os valores de seus personagens: os humanos – Fabiano, Sinhá Vitória e os dois filhos – são curtos nas palavras e nos gestos, reagem mais do que agem. Os dois meninos sequer têm nome, pois aparecem como Menino mais novo e Menino mais velho. Há uma animalização dos quatro. Ao contrário, a cadela Baleia, parece ser o mais humano de todos, dotado de sentimentos, sonhos e ações mais humanas que os humanos. A descrição de sua morte é um dos momentos mais tocantes da obra, que retratou com concisão de realismo a dura sina dos retirantes do Nordeste.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Meus livros (parte II)




Quando fui Morto em Cuba - Roberto Drummond
Primeiro volume de contos que aparece na minha lista. Aliás, um tipo de texto que tenho uma grande admiração, principalmente quando o contista em questão é Roberto Drummond, mineiro, mais famoso por um romance que virou série na Rede Globo: Hilda Furacão. Seu livro mais conhecido de contos é A Morte de DJ em Paris. Mas para mim, esse Quando fui morto... mostra um melhor uso da linguagem. Os contos ainda ecoam a fase mais politizada do autor, que procura mostrar pedaços da realidade do Brasil nas décadas de 60 e 70 durante o regime militar. Falam de solidão, violência, paixões arrebatadoras e até homenageia um grande craque do passado: o atacante Heleno de Freitas, que brilhou no Botafogo e morreu louco num hospício no interior de Minas Gerais.


Feliz Ano Novo - Rubem Fonseca
Mais um volume de contos de outro mestre nessa narrativa. Fonseca guarda semelhança com Roberto Drummond: a facilidade com que muda a forma de narrar. Sempre em primeira pessoa. A temática do livro quase sempre aborda a violência, como no conto-título e “Passeio Noturno”, em que o protagonista tem por hobby atropelar cidadãos comuns no meio da rua. O livro, lançado em 1975, foi recolhido das livrarias no ano seguinte por “conter matéria contrária à moral aos bons costumes” e liberado apenas em 1989.


Misto Quente - Charles Bukowski
Como quase tudo que o Velho Safado escreveu, trata-se de um texto autobiográfico. Nele, o onipresente em suas obras Henri Chinaski conta sua vida desde a infância pobre num bairro longe do centro glamuroso de Los Angeles e as agruras do que é crescer sem ser rico, bonito, popular e não levar jeito para esportes. Típico “loser”, o garoto sofre nas garras dos colegas de escola nos punhos do pai alcoólatra, em casa, casos hoje que recebem as pomposas alcunhas de bullying e violência doméstica, respectivamente. Mas aqui, a saída não é metralhar coleguinhas nem virar bandido. Chinaski trata a vida com a mesma violenta e crua ironia em passagens que podem assemelhar-se a socos no estômago de um leitor mais desavisado.


Uma Estadia no Inferno - Arthur Rimbaud
Falar da pequena mas fundamental obra do poeta francês e não citar sua vida controversa é impossível. E embora as duas se vejam diametralmente opostas, para mim, uma antecipou a outra e isso fica bem claro em várias passagens de Uma Estadia... Numa prosa poética carregada de imagens, Rimbaud conta suas desventuras na vida com a Virgem Louca, fala de seus antepassados e mostra sua visão de futuro, que pode facilmente assemelhar-se ao dele mesmo. Isso escrito antes de completar duas décadas de vida. Depois, partiu para o verdadeiro inferno: viagens intermináveis nos mais inóspitos desertos africanos para voltar com a pele escurecida e com um câncer avançando velozmente – e que o mataria em novembro de 1891, com apenas 37 anos. O título deste blog foi tirado de uma carta dele.


Pergunte ao Pó - John Fante
Pegue um tema simples como um aspirante a escritor em dificuldades financeiras e uma garçonete e você tem o quê? Aparentemente, uma história entre dois comuns como tantos que habitam o planeta Terra. Mas nas mãos de John Fante isso ganha cores tão belas que nos leva a chamar de arte. Com simplicidade, sacarmos e bom humor, o escritor conta a história de seu alter-ego, Arturo Bandini, às voltas para fazer-se reconhecido pelo dom de escrever e, ao mesmo tempo, seduzir sua musa Camila Lopez. As brigas do casal formam os melhores diálogos deste livro, que despertou em Charles Bukowski a vontade de tornar-se escritor. Virou um filme razoável em 2006, com Colin Farrell e Salma Hayek nos papeis de Bandini e Camila, respectivamente.


O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago
Um amigo disse que sua fé ficou abalada ao ler esse livro. Em mim, ao contrário, reforçou-a por ver que o Cristo de Saramago era um homem humano, já desde o nascimento, quando ele diz que “o filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.” Assim como todos nós, Jesus sofre com a sua missão, tem dúvidas e num dos trechos mais polêmicos vê que Deus e o Diabo são como gêmeos, excetuando as barbas do primeiro. Como era de se esperar, o livro recebeu forte oposição da comunidade católica mas não impediu que o gênio de Saramago fosse reconhecido com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.


Dom Casmurro - Machado de Assis
Tudo bem que Memórias Póstumas de Brás Cubas é o marco inicial do nosso Realismo. É um monumento da literatura brasileira, mas Dom Casmurro, além do talento de contador de histórias de Machado de Assis, também traz em si um dos maiores mistérios das letras: afinal, Capitu traiu ou não Bentinho? O personagem crê nisso piamente, mas o autor nos dá indícios contaminados, já que é o próprio Bentinho quem lembra a história já velho e de mal com a vida, fato que lhe dá o apelido do título da obra. Os olhos de ressaca de Capitu já fazem parte do imaginário popular. Fernando Sabino reescreveu a obra (Amor de Capitu), mas nem assim conseguiu desvendar o mistério que, acredito, nem o próprio Machado saberia responder.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Meus livros (parte I)




Não sou fanático como o personagem Rob Gordon, de Alta Fidelidade, mas não nego, gosto de listas. Duas delas estavam rolando no Facebook há alguns dias e resolvi fazê-las. A primeira, pede para você compilar 15 livros de sua preferência. Confesso que foi difícil reduzir tanto, mas a lista dá um apanhado de muita coisa de minha preferência.
Sem ordem.


O Encontro Marcado - Fernando Sabino.
Embora eu tenha escrito que não estavam em ordem preferência, este livro é, realmente, meu preferido. Conta a história de um aspirante a escritor, reconhecidamente talentoso mas que com o passar dos anos afunda-se mais e mais numa vida burguesa e guarda sua vocação num porão escuro. Quanto mais tenta retomá-la, mais angustiado fica. É a eterna busca de si mesmo, o tal encontro de que fala o título. Foi o único livro que me fez chorar, não só na primeira leitura, mas em cada uma das posteriores, cuja conta já perdi. Muitas partes da história são inspiradas na vida de Fernando Sabino, com a diferença de que este sempre deu vazão ao seu talento de narrador.


On the Road - Jack Kerouac
Escrito em 1951, mas só publicado em 1957, justamente um ano depois a O Encontro Marcado e assim como o texto de Sabino, apontado como o definidor de uma geração. Também mostra a procura da vida verdadeira através de Sal Paradise e Dean Moriarty, que lançam-se de corpo e alma a perambular pelos EUA e ocasionais incursões ao México. A vida, aqui, tem que ser sentida da forma que aparece, com todos excessos, mudanças de rota, sexo e drogas que aparecerem. Narra fatos reais vividos por Jack Kerouac (Sal) e seu amigo Neal Cassady (Dean), além de amigos e amantes. Uma das obras mais famosas de segunda metade do século XX. Vai virar filme pelas mãos do brasileiro Walter Salles, com estreia prevista para 2011.


O Amor nos tempos do cólera - Gabriel Garcia Márquez
Não nego que a fama maior seja de Cem Anos de Solidão, mas, para mim, o realismo fantástico da família Buendía fica um degrau abaixo do amor entre Florentino Ariza e Fermina Daza, que atravessa pouco mais de meio século, onde os amantes pouco se viram e o apaixonado protagonista ainda tem que esperar encerrar o casamento de sua musa com o médico Juvenal Urbino. Aliás, o triângulo amoroso do livro reúne alguns dos pernsonagens mais apaixonados da história da literatura. A morte de Juvenal é um dos momentos mais marcantes do livro, que merecia uma adaptação bem melhor para o cinema do que a cometida por Mike Newell em 2007. O ponto de partida para o escritor foi o início do romance entre seus próprios pais.


O Búfalo da Noite - Guillermo Arriaga
Tensão da primeira à última frase. Arriaga, mais famoso por roteirizar filmes, criou uma narrativa girando em torno de um só tema: a loucura. Há um louco diagnosticado (Gregorio), mas quase todos os personagens têm um pé fora da realidade, seja por violência (Manuel) ou por incompetência de lidar com a confusão de sentimentos (Tania). Esses formam o triângulo amoros, com os dois rapazes, amigos de fé, dividindo o coração da mocinha. Aparentemente, enredo para água com açúcar. Só que o tempero doce aqui foi substituído por arsênico. Gregorio se mata, mas deixa para o ex-amigo Manuel uma série de mensagens cifradas que vão fazê-lo entrar em seu mundo. No meio de tudo está Tania, vítima do amor doido de um e quase terno de outro. Em 2008, o próprio Arriaga fez o roteiro para a versão cinematográfica do livro mas não conseguiu dar aos personagens a mesma densidade.


PS: Como são muitos livros e não gosto de posts muito grandes, a sequência vem depois.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

140 caracteres



O que uma simples palavra de três sílabas não faz... Bastou insinuar que se tuitasse meu post anterior ao invés de deixá-lo lá quietinho no blog me tornaria um babaca, me surpreendo ao ver reações – e eu achava que era quase nada lido... Me acharam certo e errado com a colocação, prova de que como tudo na vida o twitter tem seus fãs e detratores. Por isso, pedi autorização de ambos para publicar as mensagens recebidas por email, obviamente sem citar os nomes. Por isso, deixarei apenas as iniciais.

A primeira msg é de um cara que pegou abuso de twitter. Vou identificá-lo apenas como F.M.

Caro blogueiro,

Foi com alegria que li seu post, o qual encontrei quase sem querer numa pesquisa sobre poesia. A referência foi nome de seu blog, que é uma frase de Rimbaud. Não imaginava que alguém pudesse achar babaquice essa nova febre da internet, que é esse twitter. Pra mim, uma febre altamente nociva, que só aumenta nossa sensação de isolamento e solidão. No local onde trabalho, por exemplo, uma agência de publicidade, pessoas que ficam na mesma sala, com não mais de cinco metros de distância preferem dialogar pelo twitter do que levantarem seus gordos traseiros da cadeira e trocarem meia dúzia de frases. O que é isso? Será que, excetuando eu – e pelo que pude deduzir, agora você – isso tem que ser encarado como normal? Isso sem falar na forma exagerada e desnecessária que vejo de exposição. Tomo a liberdade de compartilhar tais ideias com você porque estava a ponto de explodir, já que não encontrava com quem conversar. E eis-me aqui diante de um completo desconhecido. Pois bem, o que me importa se fulando está indo ou voltando pra casa nesse minuto? Ou que o café da manhã, almoço, jantar, lanche e ceia de todo mundo tenha que vir a público? Ou que comprou um vestido de bolinhas azuis? Não acrescenta absolutamente nada! Se alguém está com sono ou com dor de ouvido, o que vai adiantar postar? Que eu saiba, ainda não existe atendimento médico virtual nem tão pouco red bull via web. Uma coisa que já começa a se disseminar, mas ainda timidamente, são questões de foro muito íntimo como relacionamentos. Já vi gente anunciando pelo twitter que acabou namoro! Pra quê? Anunciar ao mundo que vai à caça ou está desfrutável? É melhor por um anúncio nos classificados.

A única coisa que ainda não vi mas duvido que esteja longe de acontecer é o anúncio de necessidades fisiológicas e coisas que se fazem apenas entre quatro paredes.

Perdão pelo desabafo.


O segundo também é de uma mulher, profissional de uma assessoria de imprensa, que será chamada apenas de M. L. E que errou a grafia do meu nome, mas mantenho o erro para ser fiel ao que foi escrito.

Wladimir,

Por que seria babaca falar sobre o que você escreve no twitter? Ele é um diário como esse mesmo Porque eu é um outro... A diferença é que há menos espaço para seus escritos e a possibilidade de audiência é muito maior. Acho que você deveria pensar de outra forma e até utilizar a rede social para divulgar o que escreve. Não é babaquice escrever sobre tudo no microblog. As pessoas querem saber o que acontece com as outras, seja por espírito bisbilhoteiro ou porque simplesmente uns fazem parte da vida dos outros e as respectivas têm relevante importância. Eu gosto de exaltar meus amigos no twitter, posto fotos de algum lugar legal onde me encontro. É uma maneira de mostrar felicidade ao mundo. Relaxe um pouco e veja as grandes possibilidades do twitter. Tenho certeza que você vai mudar de opinião.

Até mais!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Monologando sobre os diálogos




Escrever se torna um processo muito curioso de auto-conhecimento (não sei se tem hífen). Acabo de descobri que tenho facilidade - eu falei facilidade e não talento - de escrever diálogos. A novelinha que postei alguns dias atrás foi o primeiro indício disso. Não é que não goste de descrições. Mas acho que me faltam as palavras certas, ou colocá-las nos lugares certos para descrever o que quero. E, confesso, gosto de quem morre pela boca. Faço com que as pessoas dos meus textos se descrevam ou ao menos tentem. Gosto de jogo de palavras, da guerra de ideias, elas fluem com tanta naturalidade que chego a sonhar com as conversas. Agora mesmo pus-me a escrever algo novamente e até acho que mandei bem nas explicações. Mas na hora que ponho o povo pra conversar é que fica fácil, fácil.

Vai ver tenho uma vocação inata para mentir!

PS: Poderia ter postado isso em 140 caracteres mas não quis escrever BABACA na testa.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Auto-ajuda de araque




Escrever sobre a vida, minha e dos outros, sempre traz problemas. Mas ultimamente ando me questionando até que ponto vale levar a vida a sério. Às vezes parece que viemos todos com as mesmas obrigações: crescer, desenvolver, constituir família, envelhecer e por fim morrer. Só? Acho pouco, talvez precisássemos de mais recheio, mais... a palavra é inevitável: vida. Engraçado é que todos que não seguem esse roteiro são objeto de olhares enviesados, comentários em voz baixa. Vejo muita gente se preocupando por pouco. Levamos o quê disso tudo? A conta-corrente, a conta de luz, a namorada traíra, o sócio golpista não podem ser tão grandes assim. Confesso que é uma batalha árdua e quase nunca vencida. Mas existem tantas coisas que podemos guardar.

Pra tentar entender se estou ficando doido ou um tabacudo sonhador fui à internet atrás de opiniões. O melhor que vi foi uma frase que já roda mundo há certo tempo: “Pra que levar a vida a sério se você nasceu de uma gozada?”

O problema é o seguinte. Queremos ter o que não precisamos, conquistar quem não nos merece, amar quem quer ser odiado, venerar quem quer ser achincalhado, fornicar com quem prefere a castidade, sorrir com quem prefere chorar. Esta última, então, pra mim é a mais verdadeira.

Nos alimentamos do que é ruim, essa é a verdade. Tão verdade que quando o bom chega, achamos mentiroso, efêmero ou simplesmente que é algo intangível para nós. Merecemos tudo, do bom ao ruim, do sublime ao grotesco. E saímos caminhando depois dessas jornadas é porque fomos maiores. É difícil pra caralho tirar de si algo de mal que nos fizeram. Mas quando ele fica aqui dentro, será jogado em alguém, que por sua vez vai alimentá-lo e depois vai jogá-lo em outro. E hoje o que temos é essa epidemia de gente ranzinza, chata, reclamona e triste. Na qual me incluo mas escrevo isso como uma forma de exorcizá-la.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ficou escuro aqui. E nem fechei os olhos. Não é pela miopia. Nem pelas pupilas dilatadas. É por não mais ter teus olhos. Esses dois grandes, imenos olhos. Que falam, choram, riem, amam, odeiam e gritam. Teus olhos falam tanto que chega a se esqucer que tens boca. Ah, se os meus também fossem assim, falantes. Eu não precisaria gastar as palavras, inventadas com tanto esforço de outros. E eu apenas as desperdiço. Jogo ao léu como quem cospe sementes. E é justamente nas sementes que brota uma nova vida, assim como nas palavras. Talvez não me foi dado o dom de entendê-las. A cada uso é só desconforto, desilusão, desconstrução, desvirtuação. Nunca deslumbramento. E por que insisto em palvrear meu mundo? Mas é só o que me resta, criei meu dialeto particular. É no meu ajuntamento, às vezes pobre, às vezes burro, às vezes feio mas sempre confuso, que procuro o significado. Quero reduzir a palavra até que ela não signfique nada. Que se mude a linguagem, que ela seja através do pensamento e das expressões. Comunicação e expressão, não era assim que aprendíamos no primário? Se ambas andam juntas, esqueçamos as palavras. Guardemo-nas nos mais escuros recônditos de nossos espíritos. Não as deixemos mais sair de casa. Não mais vamos tirá-las dos grilhões. A palavra semeia o mal que existe em nós. Se as deixarmos de lado, nos concentraremos mais no outro, na cara, nos olhos, nas mãos nos pés. Que o corpo aprenda a falar para nos alfabetizarmos de maneira mais livre. Experimentemos o silêncio.

Complicadamente descomplicado (parte VI - final)




W: Oi, Rebeca.
R: Ué, como você sabia que era eu?
W: Intuição, bruxaria, palpite, você escolhe.
R: Tu és muito do esquisito, às vezes. Olha, queria conversar contigo, estás muito ocupado agora?
W: Tô lendo, só. Posso conversar sim. Quer que eu vá na sua casa?
R: Quero, melhor ao vivo.
W: Toda convesa é sempre melhor ao vivo. Daqui a uma meia hora tô chegado.

Com os bairros de ambos não eram tão distantes, ele não demorou muito a chegar. Apenas tomou um banho rápido sem se preocupar em mostrar-se mais ou menos bonito para ela. Só o natural. Nem sapatos calçou. Foi com velha havaianas de guerra. Do outro lado, ela sentiu o mesmo. Como ele já frequenatara sua casa em diversas oportunidades, não o recebia mais com cerimônia. Quando Walter chegou a porta já estava aberta e ela, sentada no sofá. Riram, aquele velho riso amarelo de quem não tem prática em quebrar o gelo de cara. Ele ainda olhou pelos lados. Era a mesma casa dela que entrara e saíra tantas vezes aos primeiros minutos do dia. Ainda tonto de sono, a roupa amarrotada, o gosto azedo na boca. Paredes brancas, móveis simples mas de bom gosto. Nada demais, nada de menos. Tudo em seu devido lugar, nenhum cheiro, nenhum som diferente.

R: Chegou rápido.
W: A essa hora o trânsito tá sempre mais tranquilo.
R: Como você está?
W: Bem, e você?
R: Bem também.
W: Então, qual o motivo do convite?
R: Não imagina?
W: Bom, como nossa última conversa não foi das mais amistosas imagino que seja para colocar os pingos nos is. Tipo uma DR ou lavar a roupa suja, algo do gênero, acertei?
R: Acho que o “algo do gênero é o que se encaixa melhor.
W: Que seja.
R: Não gostei da nossa última conversa...
W: Nem eu. Acho que não precisávamos chegar àquele ponto.
R: Também acho.
W: É que você provocou e eu estourei...
R: Eu provoquei o quê?
W: Minha raiva, o que mais seria?
R: Não estou mais entendendo. A única coisa que eu fiz foi sempre responder o que você perguntou com a maior sinceridade que me foi possível.
W: Sinceridade que pode ter uma medida melhor.
R: Então você prefere meias-verdades?
W: Claro que não. Não é o conteúdo, é a forma. Você nunca precisa vir falando algo que gosta de rola, que teve isso e aquilo com fulano e beltrano. A maneira que faz é jogando na minha cara como se eu tivesse alguma culpa nisso. Como se você fizesse isso porque eu não fiz ou não quis algo. E não quero levar a culpa sobre algo que não tenho e provavelmente nunca terei controle.
R: Quem provocou primeiro foi você, com suas colocações irônicas sobre a minha vida. Parece que ela é um prato cheio pra você. Qualquer colocação que eu faça, principalmente se for sobre homens, você sempre vem zombando, ironizando ou tentando diminuir o que eu faço ou o que aconteceu. Como se não tivesse importância, entende?
W: Olha, de tudo isso que você falou aí, só concordo com o “se não tivesse importância”. Pode ter certeza que o que você faz ou deixa de fazer não me altera em nada.
R: Rárárá. É piada, né? Altera, sim, meu filho, e muito. Sabe por que? Porque fere seu orgulho de macho. Você tenta dar uma de avançadinho, de descolado, mas no fundo é machista e preconceituoso. Aliás, como a maioria da sua raça. Quer todas as mulheres aos seus pés, fazendo sempre suas vontades. Quando as mulheres insistem em dizer que vocês homens nunca viram adultos é disso que falamos. Todos vocês têm complexo de Édipo exacerbado.
W: Inversão de valores.
R: Hã?
W: Isso que você está fazendo é inversão de valores. Tudo que você acusou a mim, e à raça masculina é você quem faz. E esse seu ar provocador, o jeito de dançar, o sorriso fácil e o jeito de mexer o cabelo são o que, por acaso?
R: Meu jeito, ora essa!
W: Não. Você calcula tudo. Você faz tudo friamente para chamar a atenção. Você tem namorados, amantes, peguetes, o nome que você queira dar a esses caras, por esporte, por brincadeira. Até sua maneira de dispensar algum, e eu já vi, é tão discreta que sempre o cara volta. Você dá sempre uma esperança de que pode. É um fora olhando de lado. Uma sensação de manipulação. Você gosta de manipular, talvez seja uma forma de mostar onipotência.
R: Você tá é doido. Nunca fiz isso. E se dou fora de uma forma mais contida é porque sou educada. Não precisa sair dando coice em ninguém.
W: Precisa sim, sabe por quê? O ser humano é burro. Os desejos que nos movem são completamente burros. Só entendemos a linguagem da porrada, até a Bíblia, que se diz a palavra de Deus já mostrou isso. Quando Ele disse a Adão e Eva que não deveriam comer o fruto da árvore proibida, o que aconteceu? Ela foi lá e comeu do mesmo jeito e ainda ofereceu a ele, que mesmo tendo consciência do erro da mulher, foi lá e fez a besteira. Ali começava a história de dominação, de manipulação das mulhres sobre os homens até culminar aqui, agora, neste apartamento. O tempo passou mas o recado de Eva continua aí, no DNA de vocês mulheres.
R: Essa teoria toda só pra provar que eu sou manipuladora?
W: Sim, você não percebe, não faz deliberadamente. Está tudo aí dentro já formado. Se fosse um crime, seria culposo. Tenho certeza que você não faz com intenção. Acredito que seja hormonal.
R: Hormonal uma ova. Quem quer inverter os valores é você. Quer que eu seja seu capacho e não sou. Eu não me dobro às suas vontades e você agora tenta fazer isso me diminuindo.
W: Não quero nem nunca quis que você se dobrasse às minhas vontades. Admiro e sempre admirei seu espírito independente, inclusive já lhe disse isso em outras oportunidades. Você só não precisa jogar comigo. Somos grandinhos demais pra isso, não acha?
R: Acho, mas e você não joga, não?
W: Como eu jogo?
R: Você chega a passar semanas sem me ver e volta do nada querendo que eu te dê atenção e outras coisinhas mais...
W: E você por acaso me procura? Se eu me afasto e você concorda é porque está querendo umas férias de mim, ver outras coisas, outras pessoas.
R: E você não faz o mesmo não?
W: Às vezes sim, às vezes não. Não sigo regras. Minha relação com você não tem isso de: 'Agora ela me deu um tempo vou fazer isso e aquilo'. Nada a ver. Na boa, as coisas são tão simples e nós é que ficamos complicando.

O mais estranho em toda aquela conversa é que as vozes eram brandas diante de tantas acusações iniciais. Os dois conversavam como velhos amigos ou até namorados trocando ideias numa noite agradável de fim de inverno. Intimamente, sentiam-se mais leves. Já sentavam lado a lado no sofá, as pernas quase se tocando. Mas não havia desejo, eletricidade, apenas cumplicidade, algo que sempre houvera mas em algum momento escoara pelos beijos, pela falta de ar dos desejos saciados.

R: Eu não me sinto complicando nada. Você é que complica...

Ele adotou um tom paternal.

W: Tá vendo? Você quer sempre ter a razão, ser a dona da última palavra. Não ter a última palavra não é sinal de fraqueza, quando você vai entender? Aliás, numa relação de dois, o melhor é que a última palavra seja dos dois. A velha negociação ganha-ganha.

Ela não escondeu um ar de riso diante da observação do companheiro e identificou na hora o tom aconselhador.

R: É talvez eu seja um pouco durona mesmo.
W: É bom que seja. Mas endurecer sem perder a ternura, como diria o velho e bom Che.
R: E agora, o que é que a gente faz? - perguntou, rindo.
W: Aí você tá querendo demais, não sou tão inteligente assim. A mulher aqui é você!



PS: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte V)




O tempo passou e ninguém falava com ninguém. Nem recados em orkut, facebook ou emails. Viam-se aparecer no msn, mas nada. Cada um ao seu estilo, matutava em cima daquele gelo. O curioso é que o mesmo pensamento torto corroía a cabeça das duas criaturas. “Acabou. Mas acabou o quê?”, pensavam. Não era namoro, casamento, rolo, muito menos caso, já que ambos não eram comprometidos. Esse não sei o quê é que parecia deixar tudo mais nebuloso. Lá no fundo, tinham vontade de se falar, não que o desejo já voltasse a bafejá-los. Era apenas a vontade de ouvir a voz, trocar ideias, algo tão maior e bem melhor que sempre tiveram e agora deixavam ruir.

Rebeca ruminava ao seu estilo enfezado, cáustico, sem papas na língua, embora falasse para todos menos ele, o único que merecia ouvir. “Filho da puta, imbecil. Sempre se faz de inocente e vítima. E o que é pior: eu termino sempre embarcando na onda e me fudendo. Sempre cedo e ele sempre faz as mesmas coisas. O que deveria ter feito é cortado o mal pela raiz, mas não, sempre acho que todo mundo vai mudar, acredito nas boas intenções e quebro a cara sempre, sempre. E por que tudo tem que ser sempre tão escorregadio? Custa alguma coisa ser sincero? Será que vai arrancar pedaço? O pior é que todo mundo me avisa quando entro nessas roubadas, de olhar pra homem inteligente e esquecer do resto. Tem que estar sempre testando, sempre levando ao limite. Ou simplesmente usar, descascar como qualquer fruta que se pega em feira, chupar tudo e deixar o bagaço pra outra idiota. Mas eu não consigo, não sai, sou amarrada em meu próprio novelo, não deixo que ninguém pegue a ponta e faça a própria teia. Será pudor, uma ética burra? Não sei de onde vem. Já sei! Vou ligar pra gente conversar de uma vez por todas e seja o que tiver de ser. Tenho que falar, desse jeito vou explodir. Até falta de ar já começo a sentir. Quando ele atender, vou dizer o quê: 'Olha, vem aqui em casa que a gente precisa conversar sobre nós'. Pronto, aí ele vai dizer: 'Nós o quê?' Aí eu digo que é nossa, nossa... Porra, nosso negócio, troço, pois nem nome isso tem! Bem capaz de dizer que não existe nós, esse merdinha. Ou melhor, nós, sim: eu, ele e outra dúzia. Queria tanto saber com quem ele anda só pra entregar tudo que ele faz comigo. Mas e se ele fizer o mesmo com as outras? E o pior, se elas gostarem... Fico como a maluca inocentinha que corre atrás dele e faz contar vantagem para os amigos, inclusive essas amigas. Ele não deve respeitar ninguém mesmo. E quando conheci parecia tão tímido, tão na dele que chamava mais atenção que os exibidos. Se brincar, sempre soube tudo isso calculadamente e fez de propósito. Agora, com quantas não deve repetir a mesma tática? É, esse tipinho não adianta fazer fofoca, é até pior porque homem gosta de ser falado, gosta de achar que toda mulher vai correr atrás dele. E quem fala só aumenta a auto-propaganda. Ele vai dizer: 'Tá vendo: não tive nada com ela e já fica desse jeito' Quem ouve, além de me chamar de doida vai pensar que ele tem mel no pinto. Acho que só pode ser frustração. Teve algum problema de infância como pai ausente ou mãe superprotetora ou foi criado por vó. Tinha tudo o que queria na mão e não dava valor, quebrava de propósito pra ver o que tinha dentro. Na idade adulta muda só brinquedo, é de carne e osso, fala, pensa, chora, ri e abre as pernas pra ele ver o que tem dentro. Depois que viu, desmontou e botou as peças jogadas no fundo de um baú sai chorando atrás de um novo, com peças diferentes. Uma hora vai ver que não tem brinquedo nenhum, apenas um quebra-cabeças: um sentimento ali, uma gozada aqui, uma chupada e mais nada que guarde, que conquiste pra sempre e que nunca lhe vá ser tirado. Acho que é por isso que dizem da imaturidade do homem. No fundo, no fundo eles passam a vida inteira brincando mesmo. Uns brincam com carros, outros de banco imobliário, comprando e vendendo e outros com as pessoas, principalmente mulheres. Ah, que se foda, vou ligar e é isso mesmo que ele vai ouvir”.

Do outro lado da cidade, imerso em suas próprias teorias estava Walter. Trancado em seu próprio refúgio. Deitado, com a luz do quarto acesa, olhava para o teto como se por um milagre fosse aparecer um manual que lhe daria a chave para resolver o problema. Não se sentia culpado. Na sua cabeça era algo que já experimentara, apenas uma briga banal que mais cedo ou mais tarde se resolveria ao primeiro olá que trocassem. Porém, seu perfeccionismo era mais forte. Não se sentia cem por cento à vontade quando algo se mostrava pendente, fosse algo guardado num lugar que não lhe era destinado ou a falta de uma palavra para chegar ao ponto final de uma questão. Queria falar para resolver tudo. “Mas que problema? Será que existe problema? Por que perco tanto tempo pensando nisso? Ah, não sou o único. Ela reclama que não falo como se fosse um poço de transparência. Eu sei lá com quem anda? E nunca, nunca fiz questão de saber. Ela deixa tudo sempre nas entrelinhas pra que eu fique imaginando. Essa tática de mulher é mais velha que a roda. Ela tenta com isso me segurar, me manter por perto e forçar encontros como se eu precisasse vê-la frequentemente para me sentir revigorado. Quando na verdade, quem precisa disso é ela, que mesmo com tanto macho atrás insiste em mim. Pois se quiser vai ter que ser sempre asssim. A merda é que sempre perco o controle quando chego perto. É um cheiro, um olhar, o sorriso, sempre me derrubam. Ela sempre joga as coisas no sexo como se sexo fosse uma equação universal que se apresentasse eficaz pra qualquer tipo de problema. É porra nenhuma. Às vezes atrapalha bem mais do que ajuda. Mas sempre vem tudo misturado. É intenso mas não é amor. É intenso mas não é sexo. Será que por exclusão já não é tão intenso assim? O que quero dela? Não sei. Não sei nem se é de uma companheira que preciso. Sinto falta de alguma coisa, não sei o que é e ninguém preenche. Não é dinheiro, não é poder. Talvez seja eu mesmo. Será que tô me buscando nessas mulheres? Mas por que só com uma é tão complexo se as outras são do mesmo nível intelectural, social e tudo mais. Talvez ela busque outras coisas mas não fala! E depois reclama de mim. Eu sou sempre o réu, tá bom dela olhar um pouquinho pro próprio umbigo. Acho que é isso que ela tá precisando. É, a típica mulher complexa caricaturada em tudo quanto é blog machista. Acho engraçado na hora de ler mas agora tô vendo que é bem diferente de lidar. Ela se acha a inteligente, a dona da verdade, a que estuda profundamente os sentimentos alheios. Pode até entender dos outros, mas de si mesma tá bem longe. E vai ser isso mesmo que eu vou falar na próxima vez, seja por msn, email ou telefone”

O telefone tocou.

sábado, 11 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte IV)




ROBERTO E REBECA

Os dias seguiram-se sem que nenhuma das duas partes desse o braço – nesse caso o mais correto seria o mouse – a torcer, embora um sempre soubesse da presença do outro. Não se bloquearam, uma prova de que os acordos sem palavras continuavam valendo. Ou seria o profundo respeito que nunca afirmavam sentir-se mutuamente mas sempre externavam na presença de terceiros em comum?

Ela terminou sim, indo à festa do tal Beto. Era amigo dela, que ele conhecia vagamente, muito mais pelas histórias contadas e agora sabe-se engolidas por ele com dificuldade. Na verdade, era um bom homem, o Beto, na verdade Roberto. Trabalhador, dedicado mas um tanto complicado na vida privada, fruto de um casamento terminado sob acusação de traição de parte a parte e tendo como complicador duas crianças cuidadosamente não poupadas em saber de tudo. Depois de três anos, caiu numa depressão enlutada, pois pouco os via e sempre se culpava pela perda. Mas era aquela tristeza que atrai mulheres um pouco menos severas, suficientemente inteligentes para discernir um pusilânime de um realmente sofrido. Trazia consigo um ar carente. Em suma, um prato cheio para Rebeca, mulher dura nas palavras mas de uma suavidade nas ideias atitudes que envergonhariam a mais bondosa das noviças.

Realmente, eles se aproximaram. Um, em busca da segurança que a outra passava. Outra, num homem que, na cabeça dela era raro, pois sensível aos anseios femininos. De início não houve nenhuma segunda intenção, apenas uma troca de experiências entre duas pessoas, que, embora jovens – iniciando a casa dos 30 anos – já mostravam cicatrizes da vida. Mas é aquela velha história: quanto mais você entra na vida da pessoa, mais ela vai te deixar entrar. E se a história for boa, sempre quer repetir o filme. Das trocas de experiências vieram as confidências, as confissões dos pecados, os ódios derramados pelos traíras ouvidos em silenciosas concordâncias. Mesmo quando uma atacava a máxima masculina de regar quantos hectares fossem possíveis com esperma e o outro reclamasse da modernidade que masculinava as mulheres e as deixava caçadoras demais para seu gosto romântico.

Se tais afirmações eram verdade, pouco importa. O que vale não é o que se diz e sim como se ouve. E os quatro ouvidos acreditavam no que lhes era colocado, sempre concordando e amplificando a voz do interlocutor, ainda que atacasse a própria raça. O resultado era óbvio. Renata estava diante de um homem que nunca vira. Ou melhor, já vira, mas que sempre passava por metamorfose com o avanço de dias, meses ou anos. Aquele, não. Ele ERA diferente, pois tinha uma postura semelhante à dela diante da vida e não o fazia com a intenção de arrastá para a cama. As conversas sucediam-se com assuntos inesgotáveis. E mesmo quando não estavam em companhia um do outro, seus nomes, ideias ou opiniões eram sempre compartilhadas com amigos ou parentes.

Rebeca: Olha, Carla, sem querer azedar tua história, não sei se esse cara tá te falando a verdade não, viu?
Luana: Por que?
Rebeca: Vocês se conhecem há muito pouco tempo e ele já fala de futuro, que você seria uma boa companheira simplesmente porque viu uma coincidência entre os dois? Tudo bem que não acho nada de mal em ser fã de Quentin Tarantino, coisa que até eu sou. Mas daí a visualizar uma vida a dois por causa disso é meio demais, né não?
Luana: É que ele discute Tarantino com uma paixão que nunca vi. Ele simplesmente fala TUDO que eu acho. Parece até que lê a minha mente!
R: Sei, sei. Mas vamos levar a teoria à prática. Suponhamos que vocês, lindos e apaixonados vão lá juntar os trapinhos e dividir o mesmo teto. Por acaso vão passar a vida inteira assistindo Tarantino?
L: Claro que não, né!
R: Pois então. Até concordo que a vida dá um belo filme, ou triste, ou cômico, dependendo de quem é a vida. Mas existem muitas outras coisas. Experimenta mudar de assunto. Falar de trabalho, por exemplo. De família! Isso, família é um ótimo assunto para você descobrir quem ele é. Presta atenção do que ele fala sobre os pais, avós, irmãos. Tenta levantar como é a relação dele com essas pessoas.
L: Você tá querendo que eu faça um interrogatório com o cara, é? Vou sentar ele numa cadeira, acender uma luz em cima da cabeça dele num quarto escuro e metralhar um monte de pergunta?
R: Não criatura, faz de um jeito sutil. Não é possível que você não consiga direcionar uma conversa. Usa algo que você viu num filme de Tarantino. A história da filha de Beatrixx Kido, por exemplo.
L: você faz isso?
R: Olha, converso muito sobre família e relacionamentos com Beto. Ele nunca se negou a falar disso ou daquilo. E olha que a história dele é bem complicadinha. Você sabe, já te falei.
L: Olhaí! A história dele é complicadinha e o nome dele é mel na tua boca...
R: Porque não é a história que importa, pelo menos muitas vezes. É a postura das pessoas diante da situação. Tem certas coisas na vida que você não tem controle, e olhe que são muitas. Como vai reagir a elas é o que conta. E existem milhares de maneiras de se reagir, você sabe. Beto, por exemplo, sofreu muito durante o casamento, mas passou por tudo de maneira digna. Eles eram muito jovens e a menina engravidou. Imagine que ela não queria casar e foi ele quem convenceu. Ele disse que era a única coisa que um homem digno faria. Ela se convenceu, ainda tiveram outro filho. Ele praticamente sustentava a casa sozinho e nunca reclamou porque ela teve que parar de estudar por causa das crianças. Depois começou a jogar na cara dele que foi por causa disso que ela não evoluiu na vida, que ele a sufocava, quando sempre fez questão que ela tivesse a vida de uma mulher normal.
L: Essa história não tá meio mal contada não?
R: Foi a mesma coisa que questionei a ele. Você sabe que não tenho pudor em perguntar certas coisas quando me dão um pouco de intimidade. Eles foram à faculdade onde ela estudou para reabrir a matrícula. Na última hora ela desistiu. Ele ainda tentou insistir, dizendo que dariam um jeito com as crianças. Teve que ouvir de volta: “Na última vez que você me convenceu, larguei tudo para ficar contigo” Né foda?
L: É, mas tu estás mesmo por dentro de toda intimidade desse cara, hein? Tô começando a achar que esse rolinho meio sem compromisso, como você tá dizendo, vai terminar virando uma coisa mais séria...
R: E eu lá tenho mais paciência pra homem? Ainda mais esses sequelados. Ele tem uma namorada que vai e volta toda vez que a lua muda de fase. Não sabe se gosta dela, se gosta de mim ou se no fim das contas não gosta é dele mesmo, o que eu acho mais certo.
L: Se não tem paciência pra homem daqui a pouco vai ser melhor você começar a experimentar mulher, ehehehehehe.
R: Olha, queria eu ter inclinação pra coisa, viu. Mas acho que ser sapatão é uma questão de dom, e esse eu não tenho. Já levei cantada de uma mulher uma vez e fiquei horrorizada. Só de imaginar... Argh. Revira até o estômago.
L: Mas se você falar desse jeito com alguém que não te conheça bem vai passar por lésbica, viu? É bom tomar cuidado...
R: Tô nem aí.
L: E o teu velho-novo-caso, como vai?
R: Quem, Walter?
L: E quem mais poderia ser?
R: Só de lembrar, começo a espumar. Tive uma discussão horrível com ele há dois dias. A coisa foi pesada, com direito a muito xingamento.
L: Os vizinhos ouviram os gritos de vocês?
R: Que gritos que nada. O quebra pau foi pela internet, no MSN. Ele veio dar uma vítima, com ciúme porque eu dispensei uma saída com ele. Falei da peça que a gente foi, Pão com Mortadela. É baseada num livro que ele adora. Eu disse que tinha gostado muito e iria novamente no fim do ano se ela voltasse pra cá. Ele aproveitou que havia outra apresentação ontem e me chamou. Eu disse que não iria porque era aniversário do Beto. Aí ele começou ironizando, dizendo que eu e o Beto tínhamos uma vibe legal ou algo assim. Fui desconfiando e cutucando mais ele, até que se soltou e mostrou o que todo homem é de verdade: possessivo e filho da puta.
L: Danou-se!
R: Ele mostrou como me vê. Disse que eu dou pra todo mundo, que falo dos caras que vivem atrás de mim pra provocar ele, que quero manipulá-lo. Só não me chamou de puta com todas as letras, mas o resto...
L: E você?
R: Quanto mais ele falava, mais eu dava corda. Disse que tinha dado pro Beto, tinha sido bom e que ele agia pior do que eu porque some, passa um tempão sem dar notícias, com certeza comendo a torcida do Flamengo inteira e depois me procura com a cara mais deslavada do mundo. Fico muito puta com isso!
L: Poxa, foi feio, hein. Vocês se conhecem há tanto tempo e nunca tinham brigado.
R: A gente tinha uns desentendimentos por conta de posturas diante da vida, gostos distintos, mas tudo dentro de um respeito. Eram conflitos de ideias não de um acusar o outro disso ou daquilo.
L: Mas deve ter valido a pena porque a festa do Beto foi boa?
R: Que festa? Não teve festa nenhuma. Falei de propósito porque já estava desconfiada dele. Sempre com uma perguntinha inocente aqui, outra ali. Ele quer saber de tudo que acontece comigo e ao mesmo tempo não solta nada. É mais trancado que xoxota de freira. Cutuquei e o bicho soltou de primeira.
L: Prima, quando eu crescer quero ser igual a tu!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte III)




Quem perdeu as estribeiras agora foi o rapaz. E quando o fazia, usava dos piores advjetivos de seu repertório. O pudor que tinha em falar certas coisas – até mesmo os mais comuns palavrões – sumiam como que por mágica.

W: Pois foi sempre o que eu quis saber, mesmo. E sempre desconfiei. Afinal, você dá pra todo mundo mesmo. Não pode ver uma rola que já sai correndo pra pular em cima!

Ela, que de papas na língua não tinha nada, saiu atacando na mesma moeda, com o mesmo palavreado. Baixo, diga-se de passagem.

R: Gosto de rola, sim, e daí? Você não é meu cinto de castidade, tão pouco namorado, marido, irmão, pai ou a puta que pariu! Quando é pra me comer você não vem com esse papo. Agora fica dando piti de ciúme. E logo quem, que anda com tudo quanto é rapariga nesse meio de mundo e eu nunca falei nada.
W: Quem disse isso a você?
R: Tá achando que eu sou burra, é? Bem não sei porque você some, passa semanas, às vezes até mês sem me procurar e aparece sempre do nada. E sempre pra tirar uma casquinha. Você me faz é de depósito de esperma, seu filho da puta!
W: Ué, sempre foi assim porque achei que era assim que você queria. Nunca lhe vi reclamando, de cara feia ou me evitando. Pelo contrário, sempre gozou gostoso. Nunca pôs dificuldade nenhuma.

Ironia pouca é bobagem.

R: Ah, então é isso. Você me acha uma puta. Sou uma mulher-delivery: ligou, comeu!
W: Porra, você gosta mesmo de exagerar. Passo dias e dias conversando com você pela net, trocamos altos papos a respeito de tudo, inclusive seus dois mil, quinhentos e cinquenta fãs. Tenho que escutar tudo calado e agora tu me vem com essa de delivery? E tem mais, mocinha, toda conversa sua tem sempre um macho te assediando. Isso quando não consuma o assédio na cama!
R: O que é que eu posso fazer se esses porras vivem atrás de mim. E, além do mais, desde que você me conheceu que é assim. Não sabia que isso te incomodava.
W: Nunca incomodou.
R: E agora cismou de incomodar por quê?
W: Não tá incomodando, só estou falando...
R: Tá incomodando, sim, sabe por quê? Porque eu não estou mais à sua disposição. Não vou correndo te encontrar a hora que você quiser. Quer delivery? Liga pra uma pizzaria, que é mais fácil te atenderem. Aqui, vai ser na hora que eu bem entender.
W: E quem é você pra achar que vou estar à sua disposição? Não sou seu empregado e você não manda em mim!
R: Pronto, agora parece uma criança falando.
W: E se parecer é problema meu. Falo o que eu quiser. Fico puto quando alguém vem querer me manipular.
R: Longe de mim querer te manipular, meu filho. Estou dizendo que a partir de agora, se quiser me comer vai ter que entrar na linha.
W: Na linha ou na fila? Pelo que você fala deve ter uma fila maior do que em dia de pagamento de benefício do INSS...
R: Taí, não tem mas eu queria que tivesse. Faria questão de dar a você a última senha.
W: E quem disse que eu ia querer comer o resto dos outros.
R: Resto é a puta que lhe pariu! E você também é uma bela merda de resto. Sei com quem você anda, embora nunca fale. E quem não fala sempre tem muito a esconder.
W: Olha, eu tô achando que essa conversa não vai levar é a nada.
R: Agora vai correr porque sabe que eu tô certa...
W: E alguém consegue te convencer que você errou? Essa sua mania que querer palpitar em tudo é uma prova disso: é sempre você quem tem razão e quem vai ficar com a última palavra.
R: Porque estou certa.
W: Então fique com sua certeza, tchau.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte II)




Rebeca: Fui à peça Pão com Mortadela, ontem à noite. Teve uma apresentação só para imprensa e convidados. Minha tia, que é jornalista, ganhou e como não poderia ir, me deu.
Walter (demonstrando pouco interesse): Ah, massa. Fosse com quem?
R: Com minha prima Luana, a filha dela. Acho que você iria gostar. A peça é baseada num livro de Charles Bukowski, você sempre fala muito nele, né?
W: Poxa, gosto demais. Não sabia dessa peça. É baseada em qual livro dele?
R: Isso não sei. O pouco que ouvi falar dele foi você que me contou. Não sei os nomes dos livros. Vê aí em algum roteiro...
W (depois de uns cinco minutos procurando): Puta que pariu! A peça é baseada em Misto-Quente!
R: O livro é bom?
W: Muito bom. Simples, direto. Narra os primeiros anos da vida dele até o início da vida adulta. É lindo. Se você quiser eu te empresto, tenho certeza que vai gostar.
R: Eita, é mesmo! O personagem se chamava Chinaski...
W (interrompendo): Isso, é o mesmo do livro. Eles mudaram de Misto-Quente para Pão com Mortadela para adaptar à realidade do Brasil. Ele fala do cara que sofria, apanhava do pai, era zoado pelos colegas da escola, era um tanto solitário e terminou encontrando uma válvula de escape na literatura, não é isso?
R: AHAHAHAHAH!!!!!! É isso mesmo, parece até que você viu a peça. Eu gostei muito, mas minha prima achou uma merda. Se eles vierem novamente no fim do ano eu vou querer ver de novo.
W: Acontece nas melhores famílias...Fica em cartaz até quando?
R: Até amanhã. Achei estranho encerrar numa segunda-feira.
W: É mesmo. Se você não tivesse visto há tão pouco tempo, te convidaria pra ir.
R: Amanhã? Sem chance, meu filho.
W: Por que?
R: É aniversário do Beto, que trabalha comigo.
W (irônico): E o aniversário dele você não perderia por nada nesse mundo, né?
R: Olha, por nada nesse mundo acho um pouco de exagero, mas faço questão de ir. Não entendi essa sua pergunta.
W: Não é nada não. Não é nada não. Só pela relação de vocês, que é muito chegada e tal.

Ela, que de sangue de barata não tinha nada, lembrou de todo o vaievem do interlúdio, brincadeira, relacionamento ou seja lá o que for dos dois para descontar toda a raiva acumulada de fêmea relegada a segundo ou terceiro plano para atacar os brios de macho dele, que não eram poucos. Por sorte, o diálogo que se seguiu não foi ao vivo, ficando bem entendido que o ao vivo seja por telefone ou cara a cara. Mas a tensão, raiva, ciúme, sensação de posse, de traição e mágoa ribombavam a cada exclamação.

R: O tipo de relação que tenho, tive ou terei com ele é problema só meu e dele. E quem é você pra ficar com essas ironias? Faço o que eu quiser, quando onde e com quem eu bem entender. Sou livre e não devo satisfação a ninguém. Moro sozinha e pago minhas contas sem precisar me escorar em macho filho da puta nenhum!
W: Ui, ficou nervosinha! Eu não falei nada, só disse que a relação de vocês é muito chegada. Por acaso estou mentindo?
R: Não tá mentindo não, mas sempre fica insinuando...
W: Insinuo porque você nunca conta o que houve de verdade. Fica sempre insinuando, tá vendo. Insinuação com insinuação se paga!
R: Ah, é. Pois eu dei pra ele, sim. Dei e não foi uma vez, foram várias. Não era isso que você queria saber? Já tinha desconfiando disso várias vezes. Toda hora você falando no Beto pra ver se eu soltava alguma coisa. E eu fiz de propósito pra te deixar sempre em dúvida.

domingo, 5 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte I)



Rebeca e Walter viviam numa relação complicadamente descomplicada. Se gostavam e se curtiam em vários níveis, principalmente físico e intelectual. Por isso e por causa disso, se tocavam mais do que como amigos. Em bom português, gostavam de se comer sem que isso atrapalhasse a amizade e a admiração de parte a parte. Mas era inevitável, essa liberdade que experimentavam e davam um ao outro vez por outra oscilava entre o aproveitamento fácil – da parte dele – e a velha rebordosa da parte dela: não pensar duas vezes na hora de desprezar.

Cada um tinha motivos para isso. Ele curtia uma adorável solteirice com várias mulheres a seus pés. Não que fosse o mais bonito, gostoso ou inteligente. Mas tinha lá seus encantos e não faltava-lhe companhia. Já ela nunca fora a número um da turma. Em compensação exercia uma força descomunal sobre os homens, que não respeitava cor, credo, idade e classe social. Vez por outra não respeitava até orientação sexual, dadas as bichas que não raro a assediavam.

Não se viam tatnto quanto se falavam, fruto da internet. Mas sempre que batiam os olhos um no outro, algo estranho acontecia. Mas em casos desse tipo sempre tem um dia – ou uma noite – em que as coisas desandam. Uma palavra mal colocada ou frase dita pela metade é o suficiente para estourar uma bomba. Pois aconteceu num daqueles domingos chatos, já terminada a tarde e iniciada a noite que precede a tão temida segunda-feira: o retorno ao trabalho, à rotina, hora para isso e aquilo. E como todo mundo, ou quase, morre de véspera, o terreno já estava pronto para a tensão que se seguia.

O bate-papo, de acordo com relatos da época, virou febre na internet. Tudo porque o computador de Rebeca foi invadido no dia seguinte e o hacker, atrás de senhas ou algo que pudesse render-lhe dividendos, teria ficado tão puto que, vendo o esforço em vão, vingou-se publicando o diálogo inteiro. Começou aquele papo meio sem sentido, tipo oicomovai, fizesse isso, fizesse aquilo, e o trabalho e todo preâmbulo constante no roteiro. No meio das conversas havia sempre um comentário, uma lembrança, que funcionava como senha para um dos dois promover o encontro. Era um acordo meio tácito, instintivo.

sábado, 4 de setembro de 2010

À (também poderia ser A) procura da baixaria perfeita



Já escrevi aqui sobre o exercício do egoísmo que é ter um blog. Pois mesmo assim, ainda não consigo me soltar e escrever o que quero. Às vezes, não, quase sempre, penso bastante em colocar as palavras desse ou daquele jeito, abordar tal e tal assunto, mas na hora H, broxo. É um pudor que não sei se vai ter fim. Até vou tentando escrever algo fora do blog, pois mesmo sabendo que poucos o leem, o pudor sempre se abate.

Queria escrever um monte de palavrão, expressões sujas, descrições de cenas indescritíveis, mas não sai nada. Ou sai censurado, como o post sobre o mel no priquito das mulheres. Relendo, vi que em nenhum momento escrevi xoxota, buceta, xana ou assemelhados do mesmo naipe.

Pois a partir de agora, vou arriscar vários posts tipobaixonível. Vou inventar histórias ou adaptar algo que vi ou ouvi de outro alguém só pra aquecer as turbinas. Quem sabe um dia consigo criar uma linguagem própria.

Então lá vai a primeira tentativa: porra, caralho, buceta, xoxota, rola, cu, furico, butico (ou botico?), trepada, trepança, totília, totinha, foda, tabaco, tabaca, culhão (esse nem é tão palavrão assim), fudido, arrombado, cagar, peidar, pau no cu, pau na buceta, filho da puta, vai chupar um canavial de rola, vai encher o cu de rola, roleira, xoxoteira, buceteira, bucetuda, cabeça do meu pau, vai dar meia hora de cu, puta que pariu, vou arrombar as pregas do teu cu, chupa meu pau, porra.

Por enquanto é isso. Daqui a pouco vem mais.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sonhos de uma noite de inverno




Meus sonhos são sempre estranhos e, ao menos no meio em que vivo, não tenho com quem compartilhar. Antes que alguém me veja como um maior abandonado carente, faz-se necessário explicar que não são sonhos folhetinescos: encontrar um grande amor, casar, ter filhos lindos, ser rico, morar numa mansão e por aí vai.

É o sonho mesmo, na verdadeira acepção da palavra. Aquele momento durante o sono em que imagens aparecem na sua mente como um filme. E não tenho com quem compartilhá-los porque todo mundo que conheço – e que falo sobre o assunto – não consegue lembrar. Me sinto quase um ET quando descrevo vírgula por vírgula o que me aconteceu. Pois nos últimos tempos duas dessas viagens trouxeram algo novo: aconteceram quando não estava totalmente desperto nem totalmente dormindo.

Foram os dois extremos: um pouco antes de pegar no sono e o outro pouco antes de acordar. O de antes de dormir foi há menos de uma semana. Estava eu no topo de prédio. Não era tão alto, acho que uns cinco ou seis andares. Do outro lado havia um prédio menor, eram bem colados um no outro. Não havia ninguém ao meu lado. Só eu pensando comigo mesmo, “vou correr, pegar impulso e pular no outro prédio”.

Aí me pergunto: mas que merda de ideia foi essa? Tava a fim de que, criatura? Morrer, se esborrachar? Comecei a “falar” em pensamento, com meu eu do sonho. Era como se ouvisse minha própria voz, dizendo para não pular. Meu corpo começou a tremer – o verdadeiro, não o do sonho. Juro que senti, dos pés à cabeça. Ainda despertei me balançando. Mas sem susto, sem respiração ofegante. Tranquilo.

O da cadeia foi diferente. E como faz muito tempo, realmente não lembro dos detalhes. O que ainda tenho em mente é o local onde estava e como terminou o sonho. Era uma cadeia mais limpa que as que vemos no Brasil, bem parecida com a de filmes hollywoodianos. Eu estava no refeitório, depois voltava à cela, quando começava uma briga monstruosa. Novamente meu corpo começou a tremer e acordei trêmulo, do mesmo jeito. Ao contrário do anterior, dessa vez um pouco nervoso e confuso. Mas depois de acender a luz aliviei-me pela constatação de não estar encarcerado.

Claro que fui vasculhar a net em busca de significados. Não achei nada literalmente sobre saltar de um prédio para outro. Porém, tentei deduzir sobre sonhos com prédios. Um dizia que o prédio significa você mesmo, que seria a pessoa tentando entender a si. E saltar de um para o outro poderia ser “ter entendido você mesmo e estar em busca de outro eu?” Ou em busca de mudança?

Já o sonho da cadeia foi mais assustador. Um dos significados é perder uma grande amizade. Porra, sacanagem. Ou será que já perdi de alguma forma e ainda não percebi? Vou fazer uma varredura no meu disco rígido para saber. A outra, eu prefiro: você não está sendo compreendido. Aliás, coisa corriqueira. Até pela minha profissão normalmente não se é compreendido.

Me senti mais ou menos assim:

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

É mel, é muuito mel




O universo entre macho e fêmea sempre me despertou indagações: porque uns têm tanto e outros tão pouco? Em português claro: por que certas pessoas exercem atração tão forte sobre o oposto, algumas vezes sem os atributos necessários para tal – sejam internos ou externos. Alguns tipos de mulher trazem consigo ou ao seu redor uma carga sexual absurdamente elevada. São capazes de provocar ereções numa porta, fazer uma pedra gozar, largar casa, carreira, mulher e filhos para ir atrás delas. Por quê? A substância das quais elas são feitas ainda não consegui decifrar, por mais que tente. Só me resta descrevê-las.

São as mulheres que têm mel no priquito*

Costumo dividí-las em dois grupos menores. O primeiro é um que pode enganar à primeira vista. Ele é formado por aquelas que você me diria: “Ah, meu velho, aquela ali é claro que é muito cantada, olha a lata dela!”

Mas não é bem assim. Ainda esse primeiro tipo tem um quê diferente. Tudo bem que normalmente elas são bonitas de rosto e têm um corpo, no mínimo, proporcional. Mas é só vê-la ao lado de outra da mesma marca para notarmos que ali tem algo diferente. Ai me pergunte: “O quê?”. Eu digo: não sei.

Antes que me chamem de feladaputa e parem de ler por aqui mesmo, vou explicando que é justamente responder à questão digitada uma linha e um espaço acima que esse texto se propõe. Enquanto escrevo, vou matutando minhas teorias. De tudo que já coloquei na mesa: sorriso, pernas, boca, cabelo, jeito de andar, de falar, etc. Até o sovaco eu já procurei estudar, levado por uma queda de um amigo a esse ângulo reto do sexo oposto.

Eis que acredito ser algo intangível. Talvez seja um cheiro oculto às narinas e afeito aos hormônios, poros. É algo femininíssimo em sua mais pura essência, que hipnotiza o olhar, causa torcicolo e belos devaneios noturnos. Numa boate ela reina absoluta. Podem ter três mil mulheres no local, igualmente lindas, mas ela se destaca. Inclusive, até suas pares tão ou mais belas acusam o golpe: lançam um olhar de derrubar lagartixa de parede, entortam o nariz, viram a cara ou mexem furiosamente no cabelo.

A genitaliamente adocicada bela só pode é mais facilmente identificada na companhia de outras igualmente bem apessoadas. A prova dos nove é a comparação.

Vamos logo ao segundo tipo que é o que mais me interessa.

Classificá-las de feias seria uma tremenda imbecilidade, visto o mesmo furor que ela causa na espécie masculina. Porém, este é mais curioso. Ela não é totalmente proporcional como a bela. Pode ser muito baixa (em altura), não se apresentar tão bem em trajes de banho, estar um pouco, às vezes até um muito, acima do peso. Algumas até se desarrumam tentando paracer mais normais. Não se preocupam tanto em deixar os cabelos assim ou assado, não usam salto, os vestidos são simples...

E quanto mais simples, mais teoricamente nem aí para a aparência é que a bicha chama a atenção. Algumas sequer passam batom nos lábios! Mas fazem qualquer um arriar até cinco pneus, se tantos possuíssem.

Por não serem o padrão de beleza – ao menos aquele que nos é imposto por revistas, filmes, novelas e etc. - é que se tornam mais intrigantes. Não venham dizer que é pegada, pois elas chamam a atenção sem sequer nos dirigirem um bom dia. Não precisam fazer qualquer esforço de sedução porque elas SÃO a sedução personificada.

Talvez, falo sempre na teoria porque não consegui comprovar nada cientificamente, ainda,
esse caso seja algo genético. Pois esse grupo sempre nega o próprio poder. O tipo belo, o anteriormente descrito, ao contrário, parece já ter vindo ao planeta com o manual: Como Fuder Um Homem Em Sete Passos.

A coitada da não tão proporcional vive o lado oposto da moeda. Por atrair demais, muitas vezes mais do que suas irmãs de sangue, terminam metendo os pés pelas mãos. Arrumam os piores espécimes de macho que vagam sobre o planeta. Em primeiro lugar, só pegam os cabras mais feitos da paróquia. Vira, mexe são desrespeitadas, levam chifre, são usadas como troféu e, via de regra, se apaixonam sempre pelo que não deve.

Funciona como se a beleza medida de uma servisse como um freio ético: ela normalmente caça, dificilmente é caçada. A outra, coitada, chega a ser agarrada à força por marmanjos invariavelmente bêbados. Manda para longe todas as regras do bem conviver. Os amigos das amigas não resistem, os próprios amigos que sempre a viram como alguém engraçada e até brincavam com o constante assédio, caem na rede, um dia.

Quando estão namorando há uma verdadeira fila de pretendentes à espera. E, como dito antes, sem qualquer dose de discrição: abrem o jogo, sempre do tipo: “Se teu namorado te der o fora, tô na área”. Ou: “Que pena que fulano chegou primeiro, mas qualquer coisa tô por aqui!”

Na não tão proporcional tudo é ostensivo. Não a fêmea em si, mas o que tem de consequência de sua invisível atração. O que uma ostenta fisicamente a outra ostenta... no ar? No cheiro? Nas palavras?
Só sei que ela ostenta e numa força que provoca uma reação em igual intensidade, já diria o velho Isaac Newton.

Por isso ela é o meu tipo predileto.

*Expressão utilizada por Zé Araújo/Ojuara para Genifer em cena do filme O Homem que Desafiou o Diabo. Pode ser conferida no vídeo abaixo.