sábado, 16 de abril de 2011

Acerto de contas



Há uma semana encontrei-me com um amigo que veio se lamuriando da vida. Pensei, e disse, a ele na lata: ou é trabalho ou mulher. Era a segunda opção. Engraçado, pois as informações que me passara até pouco tempo antes eram as melhores possíveis. Embora solteiro não lhe faltavam pretendentes. E foi justamente isso que lhe falei. A resposta foi um balde de água daqueles bem gelados que você só vê os sargentos jogando na cara dos soldados para fazê-los acordar num susto: “Mas sempre chega o seu dia de acertar as contas”

Para resumir a história. Ele – obviamente não vou dizer o nome, mesmo que ele seja pouquíssimo afeito a internet e blogs – começou a olhar diferente para uma amiga, na verdade mais conhecida que amiga, e terminaram rolando os primeiros beijos. Escreveu não leu, os beijos foram ficando mais e mais frequentes, assim como telefonemas e encontros nas farras. Claro que tudo sem que o envolvimento fosse avaliado por ambos.

Tacitamente já haviam decidido por não rotular nada. Se curtiam e isso bastava. Só que a repetição o levou a se acostumar com a garota. Inclusive fui apresentado a ela. Fisicamente não tinha nada demais. Mas era (ou me pareceu) simpática, agradável e inteligente, atributos bem mais interessantes, tanto para o meu gosto quanto o dele. O negócio começou a tomar o rumo normal: mais intimidade, mais vontade de estar perto e por aí vai.

Só que meu amigo, vou chamá-lo de Senhor X, não deixava de olhar para os lados. Jogou corda para uma, para outra e uma e/ou outra, segurou (a corda). Não preciso dizer que a primeira com quem ele saía com mais frequência jamais soube. E mesmo tendo que desviar a atenção para mais de uma mulher, a primeira tinha privilégio em sua cabeça.

“Mas sempre chega o seu dia de acertar as contas”, como ele bem disse.

E o tal dia chegou do nada, sem aviso-prévio, sem nuvens carregadas e vento baixo, quase como um ataque terrorista. Apenas uma frase despertou-lhe o sinal de alerta: “Não quero sair hoje”

Eu: e o que tem demais a menina não querer sair, uma vez que seja?
Ele: ela não está doente, não está de TPM, não tem ninguém doente na família, não tem plantão (ela é pediatra) nem qualquer outro compromisso.
Eu: e daí? Um ser humano não pode sequer ter um dia em que não quer fazer nada nem ver ninguém? Ela pode estar com sono, ter algum trabalho em casa ou simplesmente não fazer nada.
Ele: ah, não é assim não.
Eu: então tem alguma outra coisa que você está sabendo e não me contou.
Ele (fazendo suspense): tem sim. Você sabe que temos algumas amigas em comum. Conversei com algumas delas como quem não quer nada e acho que estou sendo repolhado.

Sabe aqueles sustos engraçados em que você arregala os olhos mas não consegue prender o riso?Pois foi um desses que tomei. Mais com a palavra em si do que com qualquer significado que ela viesse a ter.

Eu (rindo, mas incrédulo): que porra é isso de repolhado? Ele ficou impaciente, pois queria mais desabafar sua situação que explicar neologismos.
Ele: é uma coisa ruim que fazem com você.
Eu: mas que coisa ruim?
Ele: à medida que contar a história você vai entender. Nessas conversas que tive com algumas amigas dela descobri que tem outro cara na história além de mim.
Eu: quem? Você já viu ou conhece?
Ele: não faço ideia de quem seja. Mas acho que mora no Rio de Janeiro. Eles devem se encontrar com alguma frequência e agora tá com chegada marcada para cá.
Eu: e onde entra o repolho nessa história?
Ele: porra, você não entendeu? Ela tá me usando como passatempo enquanto o cara não chega. Isso é repolhar. Quando o cara chegar, ela me larga e vai pra cama dele!
Eu: E quando ele for embora, volta pra sua cama! E como ele não deve vir pra cá dia sim, dia não, sua cama será a mais frequentada!
Ele: mas assim é foda! Vou ficar de brinquedinho?
Eu: e vocês não combinaram desde o começo que seria sem pressão, sem frescura? Pelo menos foi o que você me falou...
Ele: falei, e é assim mesmo.
Eu: então, rapá. Deixa de frescura e vai curtir a vida. Vai dizer que você nunca repolhou?
Ele: já, e mais de uma vez. Mas não sabia que poderia doer.
Eu: é como mostra aquele dito popular: “No dos outros é refresco. No nosso arde”.
Ele: é...
Eu: chegou seu dia de acertar as contas...

* Para quem quiser se aprofundar no conceito de Repolhamento, recomendo clicar AQUI e AQUI.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Vergonha



Não temos filtro. Ou de nossas imperfeições ele virou pó. Ou transformou-se no apêndice. Aquele que não serve para nada, só para doer, estourar e nos matar. Mas e as palavras que jogamos ao léu também não nos matam, envenenam, torturam, agridem?

A respota é sim para todas. Mas todos esses verbos listados voltam-se contra nós mesmos um dia. É como preconiza o dito popular: "Tudo que você joga no mundo um dia voltará para você". Eles voltaram para mim. E da pior maneira.

Não fui vítima de minha vítima. Não sofri o que ela sofreu. Não vi o que ela viu. Não apanhei do flagelo dela. Não cumpri o código de Hamurabi. Meu carrasco é a minha consciência. É noite insone, o pensamento que vai longe. Me faz corar a face, maldizer a língua e os impulsos maldosos.

Mas sou humano e falível. Só posso me calar e resignar-me à vergonha.