quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Shakespeare doentio (II)

... pois como vocês sabem o pirraia do sexo masculino é sempre mais afoito. Ele aprendeu a andar de bicicleta primeiro. A coitada da menina ficava com um olho comprido para ele dando volta no parque. E claro que ele devolvia o olho comprido. E não sei quantas vezes era tropeço em batente, atropelo em gente, adulta ou criança que se botava no meio do caminho quando ele passava. As pernas do coitado eram uma raladeira só. Os joelhos nem eram mais joelhos, mas duas casconas de feridas. Uma vez ele até tentou botar ela no bagageiro, mas foi um estouro que só vendo! A coitada quase quebra a perna. Mas, de tanto insistir, ela conseguiu que o pai comprasse uma bicicleta. Ainda era de rodinha, mas pelo menos já acompanhava o namoradinho.

Rapaz, mas agora que conto essa história é que me vem um negócio para me deixar embatucado: Como é que ninguém percebia? Era uma criançada danada naquele parque, pois como eu já disse, era o único lugar de brincadeira. Acho que as mães estavam era mais preocupadas com o trabalho dos maridos e de falar da vida das outras – o que tinha de gaieira naquela cidade num cabia numa lista telefônica. Muita mulher que morria numa estradinha de barro era de marido corno que pegava ela voltando da casa do namorado.

Pois é. Mas o tempo foi passando e a danada da Leonora finalmente aprendeu a andar de bicicleta e sem rodinha. Aí era que eles não se desgrudavam mais. Esqueci de dizer que na escola também sentavam juntos, só se separavam na hora do recreio, até porque os meninos não iriam aceitar uma menina jogando bola nem as meninas queriam saber de menino brincando de boneca. Os danados parece que sabiam essas coisas. Era como se estivesse tudo bem entendido na cabeça deles, mesmo que agissem como duas crianças.

E o mais engraçado é que eles nunca falavam um com o outro sobre namoro, beijo e essas coisas que as crianças ouvem os adultos falando e repetem – esqueci de dizer que um amigo meu, Tião, estudou com os dois. Era como se fossem bichos e o instinto de um procurasse o do outro. Acho que eles falavam mais por pensamento do que por palavra dita pela boca. Quando se ouvia os dois falando eram coisas de criança, as vozes eram de criança. Somente aquele danado daquele olhar de um para o outro era que quase ninguém notava.

Com a idade de doze anos é que eles começaram a falar mais sério e se beijaram pela primeira vez na rua. Nessa altura, Virgínio já aguentava carregar Leonora na garupa da bicicleta. Passava todo dia, às sete da manhã em ponto na frente da casa dela para os dois irem para a aula. Como nessa idade, a criança ainda não é toda criança nem o adolescente é todo adolescente mas já é malicioso, os colegas de classe não perdoavam os dois:

- Tá namorando! Tá namorando!

- Tá não! A gente é só amigo. Diziam um e outro.

Mas depois do primeiro beijo na rua, na frente da casa dela quando voltavam da escola não deixou mais dúvida para ninguém. Se bem que do jeito que sempre tinha sido, eles namoravam desde a primeira vez que se viram.

Continua....

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