domingo, 18 de outubro de 2009

Shakespeare doentio (III)

Mas acontece sempre: quando começa um namoro, ainda mais com os dois naquela idade, uns 14, 15 anos, os pais de um e outro sempre ficam desconfiados. Por isso, era um tal de não deixar os dois sozinhos que só vendo. Parece até coisa de novela ou de livro de adolescente daqueles que sempre tem um irmão mais novo pentelho que fica no pé do casal porque o pai, ou a mãe ou os dois mandou. E não é que nessa história tinha também?

Zezinho, de oito anos, era irmão Lenora e bastava Virgínio chegar lá para o guri encostar nos dois feito espírito.. Sendo assim, os beijos eram discretos, as carícias então, mais ainda. E logo naquela idade que os hormônios ficam daquele jeito. Só que depois de três meses a reza do rapaz deu certo. Zezinho pegou uma pneumonia e caiu de cama. Mesmo ajudando a mãe nos cuidados com o menino, Lenora sempre dava um jeito de ver o namorado. Mas a ordem do pai tinha que ser cumprida.

- Namoro, só aqui dentro de casa e se eu pegar os dois agarrados na rua mando você pra um convento depois de dar uma surra de cinta nos dois!

O casalzinho não quis pagar para ver e ficaram os dois só no chamego discreto atrás das paredes. Mas os dias foram passando e a reza de Virgínio foi mais forte do que se imaginava. Zezinho piorou, pois no hospital pegou uma bactérias daquelas que tem nome de num-sei-o-quê-cocos e baixou na UTI. Nem preciso dizer que a família passou a viver dia e noite naquela agonia. O menino sempre foi forte, alegre não tinha alergia a nada mas ficou bem mal. Na verdade entre a vida e a morte, muito mais na segunda do que na primeira.

Aí o namoro quase parou porque Virgínio, solidário à namorada, passava todo tempo livre com ela no hospital. Pouco se beijavam, até porque a menina, doida que era pelo irmão, chorava tanto que parecia mais seca que uma ameixa.

Um dia, quando estava sozinha, resolveu rezar na capela do hospital. Era daquelas bem pequenininhas, com quase nenhum enfeite mas um crucifixo quase do tamanho da parede bem atrás do altar. Feita mais para aliviar a dor de quem tinha gente querida sofrendo do que para ostentar. Pois ela entrou, rezou e se pôs a pensar no que tinha sido a vida, curta, claro, do irmão até aquele momento como que procurando um motivo para tão novo o menino já estar condenado. E a última lembrança que lhe veio foi do vigia do namoro e das tentativas dela e do amado de fugir do aprendiz de leão-de-chácara. E foi nisso que ela se prendeu quando decidiu fazer a promessa.

- Por Santa Efigênia, se meu irmão se salvar, juro que me caso virgem. Saiu da capela mais aliviada e com toda certeza de que seu grande amor iria aceitar a promessa se tudo viesse a dar certo. Tinha tanta certeza da compreensão dele que nem se deu ao trabalho de contar a novidade.

Três dias depois, Zezinho começou a reagir. Cada dia um pouco mais até que ficou totalmente curado depois de duas semanas. Chegou em casa pelas mãos da querida irmã que contou de sua reza na capela – escondendo, é claro, a promessa – como tendo sido ouvida por Santa Efigênia.

Na mesma noite, Virgínio foi visitar o recém-curado cunhado e como a gente sabe que os hormônios dos meninos são mais complicados de se controlar, chaomou a namorada num canto assim que saiu do quarto.

- Vem cá que tô morrendo de saudade de você!

- Para com isso, meu irmão acabou de voltar do hospital!

- Eu sei e isso é muito bom, finalmente tô te vendo sorrir de novo. Pensei que nunca mais ia ver isso de novo.

- É, tô muito feliz mesmo, só que tem uma coisa pra te contar...

- O que foi?

- Quando Zezinho tava pra morrer, fui na capela do hospital numa hora que você não tava lá. Fiz uma promessa que se ele ficasse bom, eu casaria virgem.

Qualquer bomba que caísse na cabeça de Virgínio não deixaria ele tão tonto quanto a frase que Lenora contou. Ele ficou tão zonzo que abria e fechava a boca mas num saía uma palavra. Depois de uns dois minutos conseguiu emitir algum som.

- Que diabo de promessa foi essa?

- Bate nessa boca! Falando em diabo quando eu consegui uma Graça dessa que curou meu irmão!

- Tá, desculpa. Mas num podia ter prometido outra coisa? Por que inventou logo isso?

Então ela explicou que na capela lembrou do pouco que o irmão tinha vivido e a última lembrança era dele vigiando o namoro dos dois.

Continua...

Um comentário:

Anônimo disse...

Chamego é uma palavra quase tão boa qnto meu bem.
Continua bonitinho :)
Bjobjo