terça-feira, 17 de agosto de 2010

De como virei assassino


Sempre gostei de armas. Desde a mais tenra infância quando não havia tanta frescura em termos de censura e as crianças eram criadas para obedecer os adultos – fossem pais, avós, tios ou um professor. Era Chips, Esquadrão Classe A e muito Comandos em Ação. Tiros, bombas, metralhadoras e helicóplter super-equipados. Invariavelmente eram esses meus presentes: kits com arma, algemas. Possuía um verdadeiro arsenal em casa.

Das brincadeiras levei à realidade quando cresci um pouco. Comprar arma na minha cidade é a coisa mais fácil do mundo. Qualquer feira de troca a gente leva por R$ 100, 200, 500... É só escolher e pagar à vista porque nesses lugares a Polícia sempre fez vista grossa.

Aí passei a andar de cima. Não tinha medo de nada, claro. Só que o tempo foi passando e as armas foram me deixando frio, distante, como se com ela ao alcance das mãos eu pudesse brincar de Deus. E passei a matar de verdade, porque para mim não é suficiente botar uma bala no meio da carne de alguém.

Tinha que ver sangue, gostava de ver a vida se esvaindo. Era como se pudesse, literalmente, ver. É o tal de ter a vida de alguém nas mãos. Isso vicia, é pior que qualquer crack, pó ou uísque. A primeira vítima foi uma mulher. Não me perguntem porque escolhi o sexo frágil porque não vou poder responder. Medo que um homem mais forte que eu reagisse e fosse eu o defunto? Pouco provável. Sei atirar muito bem, de perto, de longe.

Ela era pequena, magra e muito, muito frágil. Era como se já estivesse meio morta, apesar dos olhos arregalados. Quase pedia para tirar-lhe a vida. Mas era a primeira, então deveria ser o crime perfeito.

O primeiro tiro foi no joelho direito. Chance de correr, zero. Apoiou-se no esquerdo, local do segundo. Caiu sentada, dizendo: “Pode levar tudo, pode levar tudo” Tudo o quê? Trocados, celular, uma bolsa? Não preciso de dinheiro, não sou ladrão. Ladrão é coisa baixa, sem classe. “Eu sou Deus e hoje chegou a sua hora”, disse a ela.

A cara foi de quem não entendeu, mas bastou mais um tiro no ombro para ela saber que eu estava falando a verdade. O quarto foi na barriga, bem em cima do estômago. Sempre mando uma nesse lugar para ver o sangue vomitado. A cada golfada saía um pecado, um erro, um amor, uma tarefa que ela deveria cumprir na próxima semana mas nunca mais iria fazer. Era cada pedaço de vida que eu via sair.

O quinto era sempre no meio do peito, onde fica o que os mortais chamam de coração. “Matei todo amor que ela sentia. Essa nunca mais vai amar ninguém. Só em outra vida, se isso existir!”

Os olhões já estavam mais arregalados do que nunca. Talvez já estivesse morta. Mas restava uma bala. Foi no meio dos olhos. Nesse lugar o sujeito morre sem qualquer reação. Aprendi lendo uma matéria sobre o Bope. E foi bem no meinho.

O sangue golfado já começava a coagular no asfalto sujo. Não havia ninguém por perto, mas dali a meia hora seria um prato cheio para os curiosos, que sempre gostam de ver um morto, desde que não sejam eles. Me escondi num terreno para ver a movimentação e quem seria o primeiro a chegar. Veio um menino e ficou olhando tão perto que parecia cheirar a menina.

“Gostou do que viu”, pensei. Ele seria o próximo.

Um comentário:

Renatinha disse...

Afemaria! Quem quase "golfou" fui eu agora...sinistro!