segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Complicadamente descomplicado (parte II)




Rebeca: Fui à peça Pão com Mortadela, ontem à noite. Teve uma apresentação só para imprensa e convidados. Minha tia, que é jornalista, ganhou e como não poderia ir, me deu.
Walter (demonstrando pouco interesse): Ah, massa. Fosse com quem?
R: Com minha prima Luana, a filha dela. Acho que você iria gostar. A peça é baseada num livro de Charles Bukowski, você sempre fala muito nele, né?
W: Poxa, gosto demais. Não sabia dessa peça. É baseada em qual livro dele?
R: Isso não sei. O pouco que ouvi falar dele foi você que me contou. Não sei os nomes dos livros. Vê aí em algum roteiro...
W (depois de uns cinco minutos procurando): Puta que pariu! A peça é baseada em Misto-Quente!
R: O livro é bom?
W: Muito bom. Simples, direto. Narra os primeiros anos da vida dele até o início da vida adulta. É lindo. Se você quiser eu te empresto, tenho certeza que vai gostar.
R: Eita, é mesmo! O personagem se chamava Chinaski...
W (interrompendo): Isso, é o mesmo do livro. Eles mudaram de Misto-Quente para Pão com Mortadela para adaptar à realidade do Brasil. Ele fala do cara que sofria, apanhava do pai, era zoado pelos colegas da escola, era um tanto solitário e terminou encontrando uma válvula de escape na literatura, não é isso?
R: AHAHAHAHAH!!!!!! É isso mesmo, parece até que você viu a peça. Eu gostei muito, mas minha prima achou uma merda. Se eles vierem novamente no fim do ano eu vou querer ver de novo.
W: Acontece nas melhores famílias...Fica em cartaz até quando?
R: Até amanhã. Achei estranho encerrar numa segunda-feira.
W: É mesmo. Se você não tivesse visto há tão pouco tempo, te convidaria pra ir.
R: Amanhã? Sem chance, meu filho.
W: Por que?
R: É aniversário do Beto, que trabalha comigo.
W (irônico): E o aniversário dele você não perderia por nada nesse mundo, né?
R: Olha, por nada nesse mundo acho um pouco de exagero, mas faço questão de ir. Não entendi essa sua pergunta.
W: Não é nada não. Não é nada não. Só pela relação de vocês, que é muito chegada e tal.

Ela, que de sangue de barata não tinha nada, lembrou de todo o vaievem do interlúdio, brincadeira, relacionamento ou seja lá o que for dos dois para descontar toda a raiva acumulada de fêmea relegada a segundo ou terceiro plano para atacar os brios de macho dele, que não eram poucos. Por sorte, o diálogo que se seguiu não foi ao vivo, ficando bem entendido que o ao vivo seja por telefone ou cara a cara. Mas a tensão, raiva, ciúme, sensação de posse, de traição e mágoa ribombavam a cada exclamação.

R: O tipo de relação que tenho, tive ou terei com ele é problema só meu e dele. E quem é você pra ficar com essas ironias? Faço o que eu quiser, quando onde e com quem eu bem entender. Sou livre e não devo satisfação a ninguém. Moro sozinha e pago minhas contas sem precisar me escorar em macho filho da puta nenhum!
W: Ui, ficou nervosinha! Eu não falei nada, só disse que a relação de vocês é muito chegada. Por acaso estou mentindo?
R: Não tá mentindo não, mas sempre fica insinuando...
W: Insinuo porque você nunca conta o que houve de verdade. Fica sempre insinuando, tá vendo. Insinuação com insinuação se paga!
R: Ah, é. Pois eu dei pra ele, sim. Dei e não foi uma vez, foram várias. Não era isso que você queria saber? Já tinha desconfiando disso várias vezes. Toda hora você falando no Beto pra ver se eu soltava alguma coisa. E eu fiz de propósito pra te deixar sempre em dúvida.

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